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Imposto Mínimo Global: desafios e complexidades

Os mecanismos societários e planejamentos tributários utilizados por multinacionais para remeter lucros ou reter ativos em jurisdições com tributação favorecida geraram o paradigma internacional conhecido como race to the bottom (corrida para o fundo), em que países reduzem impostos e obrigações fiscais para atrair investimento estrangeiro[1].

Nesse contexto é que surgiu o Pilar 2 do projeto BEPS da OCDE. Esse pilar, denominado Global Anti-Base Erosion Rules (GloBE), foi delineado no documento Tax Challenges Arising from Digitalisation of the Economy – Global Anti-Base Erosion Model Rules (Pillar Two), em dezembro de 2021, e consiste na aplicação de uma alíquota mínima de 15% do imposto de renda sobre os lucros de multinacionais (top-up tax), independentemente da localização das operações[2].

Evidentemente, a intenção de implementar uma medida dessa natureza o mais rápido possível pelos países do G20 não surgiu do nada e nem deriva de um “espírito fraterno” de justiça tributária que contaminou todas as “boas nações” do mundo. Há catalisadores óbvios desse processo.  

Dois deles (o Global Intangible Low-Taxed Income (GILTI) e o Corporate Alternative Miminum Tax (CAMT) vieram dos EUA. O GILTI (2017) é um imposto mínimo de 21% sobre ganhos provenientes de ativos intangíveis (como patentes, direitos autorais etc.) detidos no estrangeiro, se a alíquota efetiva de tributação for inferior a 13,12%.

Por sua vez, o CAMT impõe uma alíquota mínima de 15% sobre a renda que constar nas demonstrações financeiras consolidadas de empresas multinacionais, caso aufiram renda anual superior a U$1 bilhão (um bilhão de dólares).

O outro catalisador foi a Pandemia do Covid-19. Em outubro de 2021, no documento Tax and fiscal policies after the COVID-19 crisis, a OCDE já expressava sua concepção de que as estruturas fiscais dos países precisariam ser “adaptadas”, dadas as maiores necessidades de financiamento e aumento da dívida pública, em decorrência do Covid-19. O mesmo documento ressalta que a implementação dos Pilares 1 e 2 protegeria a base tributária dos países, realocando a arrecadação de tributos de grandes corporações.  

Esses foram os sinais positivos que os países do G20 aguardavam para discutir a implementação de um imposto global de forma mais prática.      

Em suma, a implementação do imposto mínimo global possui duas regrais principais. Pela Income Inclusion Rule (IIR), inclui-se a renda não tributada ou subtributada da empresa-filha na base de cálculo do imposto do país de residência da empresa controladora (empresa-mãe), até que se atinja a tributação mínima de 15%, salvo se houver um imposto complementar mínimo doméstico (qualified domestic minimum top-up tax – QDMTT).

Por sua vez, a Undertaxed Payments Rule (UTPR) – que é uma regra subsidiária – busca impedir a dedutibilidade de despesas e ajuste de certos valores da base tributária de empresas-filhas inseridas em jurisdições de com baixa tributação, até que seja atingido o imposto mínimo de 15% em relação a alguma entidade do mesmo grupo.

Como exemplo de IIR, suponhamos uma multinacional brasileira X com uma subsidiária nas Bahamas (Filial A) e outra na Itália (Filial B).

Nas Bahamas, em geral, não há tributação sobre empresas (nem sobre ganhos de capital)[3]. Logo, a menos que o país possua um QDMTT[4], o imposto complementar mínimo de 15% da filial bahamense deve ser recolhido pela matriz brasileira. Mas isso só acontecerá se o Brasil possuir uma regra de IIR. Mas e se o Brasil não implementar essa regra?

A resposta agora depende da Itália. Se a Azzurra, diferentemente do Brasil, possuir uma IIR, o imposto mínimo complementar da filial bahamense será de responsabilidade da unidade italiana.

Em um exemplo de três parágrafos e duas subsidiárias, o minimum global tax parece bastante simples, mas a realidade de implementação prática desse mecanismo é muito mais complexa e problemática do que pretende a OCDE.

O primeiro desafio (e o mais fundamental) é a harmonização entre os padrões contábeis internacionais e o cálculo da alíquota efetiva de imposto – effective tax rate (ETR) – proposta para o GloBE. O Pilar 2 baseia-se nas demonstrações financeiras elaboradas com base no IFRS e, embora a maior parte dos países do mundo siga esse padrão, sua utilização e extensão não ocorrem na mesma medida.

Nos Estados Unidos, Austrália e Japão a listagem de empresas estrangeiras não requer a utilização das normas IFRS, embora as companhias possam fazê-lo, diferentemente do Brasil, Uruguai e Panamá, onde esse padrão é obrigatório.

Em países como Índia e Vietnam (destinos de muitas empresas-filhas de multinacionais), a utilização do IFRS não é obrigatória e sequer é permitida.

Como conciliar, portanto, as ETR’s globais para os países das subsidiárias, se nem mesmo a forma de apuração e consolidação do resultado é a mesma? A resposta para essa pergunta complexa nos leva ao segundo desafio.

Para que se tenha uma ideia de como os cálculos do resultado tributável são intrincados, no Capítulo 5 do Inclusive Framework do Pilar 2 a OCDE traz a forma de determinação do imposto complementar de cada uma das empresas-filhas situadas em países de baixa tributação, com uma série de ajustes de base. Algumas dessas variáveis são o lucro excedente, os impostos ajustados (diferidos) e as exclusões e deduções relativas à renda líquida da companhia.

Além disso, para a determinação da ETR, do pop-up tax e do excesso de lucros, deve-se utilizar fórmulas sobre fórmulas, todas elas decorrentes de (adivinhem) ajustes próprios do padrão IFRS: 

Fonte: acervo pessoal do autor

Por fim, a implementação do top-up tax traz um terceiro desafio, que é sua compatibilidade com as disposições constitucionais e os incentivos fiscais internos de vários países.

No caso da Suíça, a adoção do Pilar 2 demandou uma alteração constitucional, após referendo público de junho de 2023. Porém, o Conselho Federal do país optou por implementar, inicialmente, apenas o QDMTT, a partir de 01/01/2024, de sorte que a IIR e a UTPR só serão implementadas em estágio posterior, a ser discutido pelo próprio Conselho.

Além disso, países com longa tradição de utilização de incentivos fiscais regionais, como Brasil e Portugal (Suframa/Sudam/Sudene e Zona Franca da Madeira, respectivamente), podem ter ETR’s efetivas menores do que 15% para alguns regimes fiscais.

Como convencer esses países a abrir mão de sua soberania, desconsiderando benefícios fiscais protegidos, inclusive, constitucionalmente? A adoção do GloBE por essas nações ocorrerá de forma mitigada? Se sim, a mera implementação de um QDMTT resolverá o problema? Caso não, os tratados bi ou multilaterais resolverão?

Todas essas perguntas evidenciam que a implementação de um imposto mínimo global é uma tarefa de altíssima complexidade prática e operacional para empresas e administrações fiscais e que, como todas as medidas adotadas em âmbito global, pode não ser interessante para vários países (embora eles insistam em dizer que sim). Mas essa é uma outra discussão …


[1] Os exemplos mais conhecidos mundialmente são os chamados “paraísos fiscais”, como San Marino, Bahamas, Ilhas Cayman e Luxemburgo.

[2] Essa regra se aplica apenas às corporações que auferirem receita anual global superior a €750.000.000 (setecentos e cinquenta milhões de euros), mesmo critério do Country-by-country Reporting (Ação 13 do Beps).

[3] EY Global. Worlwide Corporate Tax Guide 2024. 2024 EYGM Limited, August 2024. Disponível em:

<https://www.ey.com/content/dam/ey-unified-site/ey-com/en-gl/technical/tax-guides/documents/en-gl-wctg-10-2024.pdf>. Acesso em: 23 out. 2024.

[4] O Primeiro-Ministro das Bahamas anunciou, em fevereiro de 2024, que o país implementaria um QDMTT, após consultas públicas. O país, porém, não implementará, por ora, regras de IIR e UTPR. Disponível em:  <https://opm.gov.bs/wp-content/uploads/2024/08/Introduction-of-a-Domestic-Minimum-Top-Up-Tax-in-the-Bahamas.pdf>. Acesso em: 23 out. 2024.

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