A importação de serviços tem se destacado como uma atividade econômica crescente no contexto globalizado atual. A tributação dessas operações, especificamente em relação à incidência do PIS-Importação e da Cofins-Importação, apresenta particularidades que requerem uma análise detalhada e crítica.
A Constituição, em seu artigo 149, conferiu à União a competência para a instituição das contribuições sociais destinadas ao financiamento da seguridade social, incluindo o PIS-Importação e a Cofins-Importação, além das contribuições de intervenção no domínio econômico ou de categorias profissionais e econômicas. No caso do PIS e da Cofins, o referido artigo estipula que, nas operações de importação, com alíquota ad valorem, a base de cálculo será o valor aduaneiro.
No âmbito infraconstitucional, a Lei nº 10.865/2004 trata da incidência dessas contribuições sobre a importação de bens e serviços estrangeiros. De acordo com o artigo 7º, I da referida lei, há incidência de PIS-Importação e Cofins-Importação sobre a entrada de mercadorias estrangeiras no território nacional, sendo a base de cálculo o valor aduaneiro, em estrita observância ao comando constitucional.
Por outro lado, ao tratar da incidência das contribuições sobre a importação de serviços, o inciso II do mesmo artigo determina que os tributos serão calculados sobre “o valor pago, creditado, entregue, empregado ou remetido ao exterior, antes da retenção do imposto de renda, acrescido do Imposto sobre Serviço de qualquer Natureza – ISS e do valor das próprias contribuições”.
Contudo, a previsão trazida pelo inciso II se distancia da regra de competência estabelecida pelo texto constitucional, já que o que se pretende tributar no caso da importação de serviços não possui relação com o conceito de “valor aduaneiro”.
O valor aduaneiro é um conceito fundamental no comércio internacional de bens, estabelecido no Acordo sobre a Interpretação do Artigo VII do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comério (General Agreement on Tariffs and Trade – “GAAT”), incorporado em nosso ordenamento pelo Decreto nº 1.355/1994. Segundo o GAAT, o valor aduaneiro de mercadorias importadas será o seu valor de transação, “isto é, o preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias, em uma venda para exportação para o país de importação, ajustado de acordo com as disposições do Artigo 8º”.
O referido artigo 8º elenca os valores que poderão ser usualmente acrescidos ao valor de transação para fins de apuração do valor aduaneiro. Entre esses valores, no entanto, não há qualquer menção quanto aos valores pagos pelos serviços prestados no exterior, dispondo que a apuração do valor aduaneiro deve ocorrer mediante a inclusão de determinadas grandezas ao preço pago ou a pagar sobre as mercadorias importadas.
Seguindo as orientações expostas na legislação internacional, a Receita Federal do Brasil, por meio da Instrução Normativa nº 2.090/2022, também indica de forma expressa que o valor aduaneiro será o valor da transação. De igual maneira, o Regulamento Aduaneiro (Decreto nº 6.759/2009) deixa clara a inaplicabilidade do conceito de valor aduaneiro para a importação de serviços, ao indicar taxativamente as grandezas que o integram, sendo todas ligadas às mercadorias importadas.
Vê-se, portanto, que todas as disposições que conceituam o valor aduaneiro o fazem sempre como o preço efetivamente pago ou a pagar pela aquisição de mercadorias, sem menção à importação de serviços.
Dessa forma, a Lei nº 10.865/2004, ao estender o conceito de valor aduaneiro a materialidades que não se enquadram nessa definição, alargando indevidamente a acepção consolidada pelo GATT, violou a regra de competência estabelecida pela Constituição Federal.
O fato de o artigo 7º da Lei nº 10.865/2004 extrapolar o comando constitucional não é assunto novo. A base de cálculo prevista na redação original do inciso I, que definia o valor aduaneiro como “o valor que servir ou que serviria de base para o cálculo do imposto de importação, acrescido do valor do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS incidente no desembaraço aduaneiro e do valor das próprias contribuições (…)”, também extrapolava a sua matriz constitucional.
Sobre esse aspecto, o precedente estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário (RE) nº 559.937/RS, julgado sob o regime de repercussão geral (Tema 01), reconheceu a inconstitucionalidade da base de cálculo do PIS e da Cofins incidente na importação, quando previa a inclusão do ICMS e o valor das próprias contribuições.
A partir do entendimento fixado pela Suprema Corte no Tema 01 de repercussão geral, algumas premissas relevantes podem ser extraídas: i) o artigo 149, III, “a” da Constituição Federal estabelece as bases econômicas sobre as quais podem incidir o PIS-Importação e a Cofins-Importação, de forma taxativa; ii) a União está autorizada a instituir contribuições sociais sobre a importação, devendo observar o limite da base de incidência prevista pela regra de competência constante do texto constitucional, que deverá ser, necessariamente, o valor aduaneiro; e iii) o sentido técnico de valor aduaneiro está diretamente ligado às normas que regem o direito internacional, o qual faz referências às diretrizes estabelecidas pelo GAAT, apenas podendo ser ligado às operações de importação de mercadorias, não havendo previsão constitucional ou legal para sua ampliação às operações de importação de serviços.
Esse raciocínio se aplica integralmente à tributação da importação de serviços prevista no inciso II do artigo 7º da Lei nº 10.865/2004, conforme o sentido técnico de valor aduaneiro estabelecido no artigo 7º do GATT e em consonância com o texto constitucional (artigo 149).
Portanto, ao estender o conceito de valor aduaneiro a contextos que não se aplicam, o inciso II do artigo 7º da Lei nº 10.865/2004 amplia indevidamente a base de cálculo das Contribuições, violando o comando constitucional previsto no artigo 149, §2º, III, “a” da Constituição Federal. Por esse motivo, a incidência do PIS-Importação e da Cofins-Importação sobre a importação de serviços é inconstitucional, o que permite o seu questionamento na via judicial.
É nesse contexto que o Juízo da 17ª Vara Federal do Rio de Janeiro proferiu sentença, nos autos do Mandado de Segurança n. 5009377-66.2022.4.02.5101/RJ, concedendo a segurança para afastar o recolhimento do PIS e da Cofins sobre a importação de serviços:
“A segurança deve ser concedida. A questão posta em litígio versa sobre a possibilidade de não ser exigida a Contribuição PIS/Cofins sobre importação de serviços quando do pagamento, do crédito, da entrega, do emprego ou da remessa de valores a residentes ou domiciliados no exterior como contraprestação por serviços prestados (…).
Ao dispor que as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico podem ter alíquotas “ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro”, o art. 149, § 2º, III, “a”, da Constituição Federal utilizou termos técnicos inequívocos, circunscrevendo a tais bases a respectiva competência tributária. (…)
Ante o exposto, na forma da fundamentação supra, CONCEDO A SEGURANÇA para declarar a inexistência de relação jurídica que obrigue a Impetrante a recolher as Contribuições PIS/Cofins Importação/Serviços, previstas no art. 7º, II, da Lei nº 10.865/2005, quando do pagamento, do crédito, da entrega, do emprego ou da remessa de valores a residentes ou domiciliados no exterior como contraprestação por serviços prestados, bem como reconhecer o direito da Impetrante à compensação dos valores recolhidos a tal título, a partir da impetração do presente mandamus, relativa às relações jurídico tributárias estabelecidas no exercício financeiro da impetração, devidamente atualizados pela SELIC .” – (sem grifos)
Assim, é possível impetrar medida judicial para ver reconhecido o direito ao não pagamento desses valores para operações futuras, como também reconhecer o direito à repetição do indébito indevidamente recolhido nos últimos cinco anos.
A equipe tributária do William Freire Advogados Associados está à disposição para tratar do assunto.
Rodrigo Pires e Pâmella Souto Pires