Com o início de setembro, os contribuintes do ITR devem ficar atentos à principal obrigação acessória vinculada a esse imposto: a Declaração do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (DITR).
Para 2024, conforme estabelecido no art. 8º da Instrução Normativa RFB nº 2206/2024, a DITR deve ser apresentada até o dia 30 de setembro, utilizando o Programa ITR 2024. De modo opcional, o § 1º prevê a possibilidade de apresentação da Declaração por meio do programa de transmissão Receitanet.
Considerando que a DITR está parametrizada para tratar as áreas destinadas à atividade mineral como “não utilizadas”, elas não podem ser excluídas da área tributável para fins de incidência do ITR. Isso significa que, mesmo que os imóveis rurais sejam utilizados em atividades de mineração e cumpram sua função social, o contribuinte recebe o mesmo tratamento fiscal como se essa parcela do imóvel fosse passível de utilização, mas não utilizada. Isso resulta em redução do grau de utilização do imóvel e, consequentemente, aumento indevido do imposto a pagar.
Essa posição adotada pelo Fisco se fundamenta em interpretação extraída do Decreto nº 4.382/2002 e da Instrução Normativa SRF nº 256/2002. O Decreto nº 4.382/2002, por meio do artigo 18, III c/c artigo 27, restringiu o conceito de atividade extrativa, considerando como efetivamente utilizada apenas a área destinada à atividade extrativa vegetal. No mesmo sentido, a Instrução Normativa SRF nº 256/2002 dispõe que as “áreas ocupadas por jazidas ou minas, exploradas ou não” devem ser incluídas no conceito de “área não utilizada pela atividade rural”.
Contudo, esse entendimento ignora a existência da previsão contida no artigo 8º do Decreto-Lei nº 57/1966, recepcionado como Lei Complementar pela Constituição Federal (RE nº 140.773/SP).
Referido dispositivo estabelece que a área rural destinada às atividades de pesquisa e lavra mineral é inaproveitável para fins de apuração do ITR. Isso significa que a área destinada à mineração deve ser excluída da apuração do imposto, por ser imprestável para a utilização em atividades rurais. A lógica é simples: se não é possível realizar qualquer atividade rural na parcela do imóvel submetida à mineração, a lei não pode exigir a verificação do grau de utilização rural daquela parcela do imóvel.
Isso porque a atividade extrativa mineral, salvo exceções, pode implicar (i) o desmonte da substância mineral in situ, via escavadeiras e acionamento de explosivos; (ii) a criação de pilhas de estéril; (iii) a construção de barragens de rejeitos; (iv) e a criação de uma complexa rede de beneficiamento, entre muitas outras benfeitorias que inviabilizam a atividade rural no local.
Portanto, sendo legalmente qualificadas como inaproveitáveis, as áreas rurais destinadas à pesquisa e lavra mineral, inclusive a extensão das benfeitorias e instalações vinculadas a essas atividades, devem (i) ser excluídas do cálculo do Grau de Utilização do imóvel e (ii) ser excluídas da área tributável, reduzindo consequentemente a base de cálculo do imposto. Isso porque, nos termos da Lei nº 9.393/1996, há uma correlação entre a imprestabilidade e a inaproveitabilidade, a ponto de todas as áreas qualificadas como imprestáveis também serem caracterizadas como inaproveitáveis para a atividade rural, conforme se verifica no art. 10, § 1º, II, “c”.
Exatamente por essa razão, a parcela do imóvel destinada a projetos de mineração deve ser excluída do cálculo do ITR.
No caso do ITR, o seu objetivo extrafiscal principal é o cumprimento da função social da propriedade rural e, para tanto, foi estruturado de forma a onerar mais gravosamente os contribuintes que não cumprem esse objetivo. Como o minerador tem o dever de realizar a atividade de mineração (artigo 176, § 1º da Constituição), cumpre-se adequadamente o potencial produtivo da propriedade, atendendo a sua função social e vocação mineral.
Por isso, é ilegal impor às mineradoras um tratamento fiscal similar àquele conferido a contribuintes que mantém a propriedade improdutiva, tal como é realizado pelo Fisco.
Portanto, dada a qualificação legal das áreas de mineração como inaproveitáveis e considerando o caráter extrafiscal do ITR, surge como necessária a exclusão das áreas destinadas à mineração do cálculo do imposto.
Considerando esse cenário, é fundamental que as empresas do setor mineral revisem suas DITRs, verificando se as áreas destinadas à mineração estão sendo corretamente tratadas. Caso contrário, há um risco significativo de apuração e recolhimento a maior do ITR.
Diante desse entendimento restritivo do Fisco e da parametrização ilegal da DITR, a única maneira de garantir a exclusão das áreas destinadas à mineração da base de cálculo do ITR é por meio de judicialização, sendo possível a adoção da via do Mandado de Segurança, que é meio processual eficaz e célere, para contestar essa exigência da RFB.
O contexto jurisprudencial judicial é amplamente favorável aos contribuintes, com decisões judiciais, inclusive em sede de liminares, reconhecendo a aplicabilidade do Decreto-Lei nº 57/1966. As decisões reconhecem que o entendimento da RFB viola os princípios constitucionais da progressividade do ITR e da isonomia, tal como é demonstrado pela decisão liminar proferida pela Seção Judiciária do Distrito Federal:
“(…) Destaco que, por suas características próprias, de extrair substâncias do subsolo, a produção mineraria é uma atividade cujo exercício é incompatível com o desenvolvimento da atividade rural, já que o solo destinado à mineração é imprestável para a exploração agropecuária, sendo, a princípio, as áreas destinadas à mineração, consideradas imprestáveis. (…)
Diante do exposto, DEFIRO A TUTELA DE URGÊNCIA, apenas para reconhecer à autora o direito de excluir as áreas efetivamente destinadas à mineração, assim entendidas as destinadas à pesquisa e lavra mineral, bem como áreas ocupadas com benfeitorias e instalações necessárias ao exercício da mineração, no cômputo das alíquotas e da base de cálculo do imposto territorial rural, mediante a sua não inclusão na área aproveitável (cálculo do grau de utilização) e na área tributável (que afeta a base de cálculo), na declaração do imposto sobre a propriedade territorial rural de 2017, e respectivo pagamento que ocorrerá até 30/09/2017, ficando ressalvada a fiscalização pela Receita Federal para verificação da extensão da área efetivamente utilizada na atividade mineradora e considerada inaproveitável.” (Processo N° 1013195-59.2017.4.01.3400 – 9ª VARA FEDERAL – JFDF – 29.09.2017)
Esse mesmo entendimento é reforçado pelas demais decisões favoráveis proferidas em 1ª instância, em sede liminar e sentença, além de decisões proferidas em 2ª instância, ao analisarem pedidos de tutela de urgência, conforme demonstram os gráficos abaixo:
Diante desse cenário, recomenda-se o questionamento judicial, para ver garantido o direito à exclusão das áreas destinadas à mineração da base de cálculo do ITR, bem como o direito à recuperação dos valores indevidamente recolhidos nos últimos cinco anos.
A equipe tributária do William Freire Advogados Associados está à disposição para esclarecer dúvidas sobre o assunto.
Rodrigo Henrique Pires
Pâmella Souto Pires