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STF Restabelece Aumento do IOF com Efeito Retroativo: Análise e Próximos Passos

  1. Introdução

Em 16 de julho de 2025, o Ministro Alexandre de Moraes proferiu decisão monocrática conjunta na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 96 e nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) nº 7827 e 7839 restabelecendo, de forma retroativa, quase integralmente os decretos presidenciais de aumento do IOF. Ele suspendeu apenas parte do decreto que equiparava as operações de risco sacado (ou forfait) às operações de crédito, que passariam a ser tributadas. Nesse ponto, o ministro concordou que houve inovação indevida pelo Executivo.

Para compreender os efeitos dessa decisão, é importante recordar o contexto do problema.

No curto intervalo de maio a julho, sucederam-se três decretos presidenciais – nº 12.466, 12.467 e 12.499/2025 – e um decreto legislativo (DL n. 176/2025), sobre o tema.

O Decreto nº 12.466, de 22 de maio de 2025, inaugurou uma expressiva majoração das alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) incidentes sobre crédito, câmbio e seguros. No dia seguinte, face à repercussão negativa imediata, sobreveio o Decreto nº 12.467/2025 (23 de maio) que recuou em pontos selecionados dessa política fiscal, ajustando parcialmente as medidas introduzidas na véspera. Em 11 de junho, entretanto, o Governo editou o Decreto nº 12.499/2025, que revogou os dois anteriores (12.466 e 12.467) e consolidou parte das majorações iniciais, introduzindo novas alterações no regulamento do IOF.

Tais mudanças provocaram resposta do Congresso Nacional, que, no exercício de controle normativo repressivo, aprovou em 27 de junho o Decreto Legislativo nº 176/2025, sustando os efeitos dos três decretos presidenciais e restabelecendo integralmente a redação original do Decreto nº 6.306/2007 (Regulamento do IOF), vigente antes das referidas alterações.

Em síntese, em pouco mais de um mês, os contribuintes viram as regras do IOF serem elevadas, parcialmente revistas, integralmente substituídas, suspensas pelo Legislativo e, ao fim, objeto de disputa judicial perante o Supremo Tribunal Federal (STF) – cenário de incerteza normativo-tributária que demanda análise apurada.

Para aclarar as diferenças materiais entre os referidos decretos, apresenta-se a seguir um quadro comparativo das principais alíquotas e bases de incidência do IOF antes e depois das alterações de 2025, bem como os escopos específicos de cada diploma:

Observa-se, no quadro acima, o caráter abrangente das mudanças pretendidas: elevação sensível do IOF-Crédito para pessoas jurídicas (mais que dobrando a carga tributária, de ~1,88% para até cerca de 3,8% ao ano, no caso de operações a prazo); extensão da tributação a operações até então não alcançadas (v.g. risco sacado e emissão de FIDCs); ampliação do IOF-Câmbio sobre saídas de capital (fixado em 3,5% para diversas modalidades antes favorecidas por alíquotas menores); e introdução de tributação sobre aportes vultosos em seguros de vida do tipo VGBL (visando fechar brechas de planejamento tributário da alta renda). Em contrapartida, algumas medidas iniciais foram atenuadas nos ajustes subsequentes – e.g. manteve-se a alíquota reduzida de 1,1% para remessas ao exterior destinadas a investimentos, diante do receio de fuga de capitais.

Essa sucessão de avanços e recuos normativos – todos via decreto presidencial – resultou num quadro de profunda insegurança jurídica, agravado uso, pelo Congresso, de sua prerrogativa de sustar atos do Executivo (art. 49, V da CF). O impasse institucional levou a judicialização: a controvérsia aportou no STF por meio de ações de controle concentrado, gerando a decisão monocrática do Ministro Alexandre de Moraes objeto deste Memorando.

O STF inicialmente interveio em 4 de julho de 2025, quando o Relator Min. Alexandre de Moraes concedeu medida liminar suspendendo tanto os Decretos Presidenciais n° 12.466, 12.467 e 12.499/2025 quanto o Decreto Legislativo n° 176/2025. Buscou-se, assim, congelar a situação – nem as majorações do Executivo, nem a sustação promovida pelo Legislativo produziriam efeitos – enquanto se tentava uma conciliação entre os Poderes. Realizada audiência conciliatória em 15 de julho, sem sucesso em se alcançar um acordo político, o Ministro Relator proferiu, em 16 de julho de 2025, nova decisão cautelar reajustando os rumos do litígio.

  1. A decisão do STF na ADC 96 e ADIs 7827 e 7839

A decisão monocrática do Ministro Alexandre de Moraes, proferida em conjunto na ADC 96 e nas ADIs 7827 e 7839, restabeleceu parcialmente os efeitos do Decreto nº 12.499/2025, redefinindo o cenário jurídico do IOF. Em essência, o Ministro validou quase todas as alterações tributárias implementadas pelo Executivo, afastando a sustação promovida pelo Congresso, porém com duas ressalvas cruciais: resguardou os contribuintes da nova incidência do IOF sobre operações de risco sacado (§ 15 do art. 7º do RIOF).

Tecnicamente, o dispositivo decisório consignou: (i) o retorno da eficácia do Decreto 12.499/2025, com efeitos ex tunc (ou seja, retroativos à data de sua edição); e (ii) a concessão de interpretação conforme à Constituição ao Decreto Legislativo 176/2025, no sentido de suspender sua eficácia integralmente, exceto na parte em que tal DL sustou os dispositivos do RIOF relativos ao risco sacado.

Em outras palavras, a decisão de Moraes torna plenamente vigentes, desde 11 de junho de 2025, todas as novas alíquotas e bases de cálculo instituídas pelo Decreto nº 12.499, à exceção das previsões referentes às antecipações a fornecedores (forfait/risco sacado), que permanecem sem incidência de IOF.

O Ministro ancorou sua decisão na interpretação do art. 153, §1º da Constituição, que faculta ao Poder Executivo alterar as alíquotas do IOF atendidas as condições legais. Sinalizou que os decretos questionados não exorbitam do poder regulamentar. Ao contrário, inserem-se na esfera de competência constitucionalmente outorgada ao Executivo para manejar o IOF como instrumento de política econômico-financeira. Com base nessa premissa, concluiu que a sustação ampla operada pelo Congresso (DL 176) não se legitimava, devendo prevalecer a regulamentação executiva – excetuados os pontos já mencionados, onde vislumbrou-se excesso jurídico (caso do risco sacado).

Importante salientar os efeitos práticos imediatos da decisão: ao conceder eficácia retroativa (ex tunc) à sua decisão, o STF tornou devidos os aumentos de IOF inclusive no período de 28 de junho a 16 de julho de 2025, quando, por força do Decreto Legislativo 176/25 (e posteriormente da própria liminar de 4 de julho do STF), vigoravam as alíquotas antigas. Ou seja, operações de crédito, câmbio, seguro e afins realizadas nesse ínterim – nas quais muitos contribuintes recolheram IOF pelas alíquotas reduzidas então vigentes – passaram a estar, retroativamente, sujeitas às alíquotas majoradas.

Em termos concretos, constituiu-se um passivo tributário de cobrança duvidosa: a Fazenda poderá exigir a diferença de IOF não paga (acrescida de juros moratórios e multa), com base na validação ex post das novas alíquotas.

Essa decisão monocrática do Ministro Alexandre de Moraes ainda deverá ser referendada, ou não, pelo Plenário da Suprema Corte. Portanto, trata-se de decisão provisória quanto ao tema.

  1. Comentários à decisão do STF

Entendemos que a decisão não adotou a melhor solução jurídica para o tema e pode ser revisitada pelo Plenário do STF. A seguir, discorremos sobre os principais pontos de contestação:

  • Desvio de finalidade e caráter arrecadatório do decreto: Os Decretos nº 12.466/25 e 12.499/25 foram editados com propósito eminentemente fiscal, e não extrafiscal, configurando desvio de finalidade do poder regulamentar. Diversos elementos corroboram essa conclusão, em especial declarações oficiais do próprio Executivo enfatizando o objetivo de elevar a arrecadação. Por exemplo, o Ministério da Fazenda estimou publicamente um incremento de receitas na casa de R$ 12 bilhões em 2025 decorrente do decreto de majoração do IOF – cifra esta revista após a exclusão do risco sacado, considerada perda de R$ 450 milhões para 2025. Tais pronunciamentos explícitos de ganho arrecadatório deixam claro que a motivação real dos atos não foi a regulação do mercado de crédito ou câmbio, mas a obtenção de recursos para fechar contas públicas. Como bem sintetizaram o Senado e a Câmara em manifestação conjunta ao STF, “os elementos fáticos demonstram motivação arrecadatória, revelada por pronunciamentos oficiais e pelo contexto fiscal da medida, descaracterizando a finalidade regulatória exigida”. Em suma, faltou ao Executivo o animus extrafiscal legítimo – controlar inflação, crédito ou câmbio – usando-se o IOF indevidamente como “imposto qualquer” para fazer caixa. Essa deturpação fere o princípio da finalidade no ato administrativo e compromete a validade da norma regulamentar, que deve perseguir os objetivos delineados em lei (no caso, objetivos de política monetária e financeira, conforme a Lei 8.894/94).
  • Violação aos princípios da legalidade e da anterioridade (art. 150, I e III, “b” da CF): ao carecer de finalidade extrafiscal idônea, o aumento de IOF via decreto afronta os princípios constitucionais da reserva de lei em matéria tributária e da anterioridade anual. A Constituição admite mitigação desses princípios (possibilidade de alteração por decreto e cobrança no mesmo exercício) somente para tributos de função predominantemente regulatória, como o IOF, quando efetivamente empregados com tal propósito (CF, art. 153, §1º). No caso, identificada a finalidade precípua arrecadatória, impõe-se a regra geral: qualquer majoração de imposto deve ser veiculada por lei em sentido estrito (princípio da legalidade tributária, art. 150, I da CF) e respeitar o princípio da anterioridade anual (art. 150, III, “b”), entrando em vigor apenas no exercício financeiro seguinte. Ao instituir por decreto um aumento de carga tributária para 2025 sem base extrafiscal legítima, o Executivo violou essas cláusulas pétreas tributárias, incidindo em inconstitucionalidade material. Ressalte-se que o próprio art. 153, §1º, ao franquear ao Executivo a alteração de alíquotas, submete-o às “condições e limites estabelecidos em lei” – o que nos leva ao próximo ponto.
  • Contrariedade ao art. 65 do CTN e à Lei nº 8.894/1994: O Código Tributário Nacional, em seu art. 65, e a Lei 8.894/94, art. 1º, §2º, permitem que o Poder Executivo modifique alíquotas do IOF, dentro de limites máximos e “visando aos objetivos das políticas monetária e fiscal”. Trata-se de autorização condicionada: exige-se finalidade específica de política econômica (no caso do IOF, essencialmente política monetária, dada sua natureza regulatória). A majoração promovida pelos Decretos nº 12.466/25 e 12.499/25 não veio acompanhada de qualquer justificativa técnica relacionada a objetivos de política monetária ou creditícia – não há menção a controle de liquidez, combate à inflação, freio ao endividamento ou estímulo de fluxos de capital. Ao contrário, a exposição de motivos foi substituída, na prática, por razões orçamentário-fiscais divorciadas da teleologia do IOF. Essa desconexão configura violação direta do CTN e da Lei nº 8.894, pois o Executivo extrapolou os limites legais ao utilizar o IOF como instrumento de pura arrecadação, o que torna os decretos ilegais.

Mas o mais nocivo da decisão do Ministro Alexandre de Moraes diz respeito aos efeitos deletérios da retroatividade (insegurança jurídica e ruptura da confiança).

A opção do Ministro Relator por atribuir eficácia retroativa (ex tunc) ao restabelecimento do Decreto nº 12.499/25 instaurou situação de flagrante incoerência institucional. Contribuintes que agiram em conformidade com a norma vigente à época (no caso, o DL 176/25, que sustou os decretos presidenciais) veem-se agora penalizados pela recriação extemporânea da majoração do tributo.

Essa mudança nas regras do jogo após o fato consumado vulnera a confiança legítima e a boa-fé objetiva, em afronta à segurança jurídica.

Entendemos que há sólidos argumentos para sustentar, em ação judicial específica, que a cobrança retroativa do IOF majorado, no intervalo em que vigorou validamente a sustação legislativa, não pode prevalecer. Isso porque, naquele interregno, os contribuintes tinham um direito subjetivo de não se submeter às novas alíquotas (direito esse decorrente de um ato estatal então válido), de modo que lhes aplicar posteriormente o tributo viola princípios basilares, entre os quais o da segurança jurídica, da proteção da confiança e da irretroatividade.

Ademais, a retroatividade implica violação à isonomia, já que quem observou a norma vigente à época deverá arcar com juros e multas, assim como os puramente inadimplentes naquele período. Equiparou-se, com isso, situações incomparáveis: o contribuinte cumpridor da norma e o inadimplente, em afronta à igualdade tributária.

Isso significa que, no mínimo, deve-se acionar o Poder Judiciário para afastar a possibilidade de cobrança de juros e multa no caso de recolhimento do IOF conforme as diretrizes vigentes à época dos pagamentos.

Em manifestação não oficial, a Receita Federal do Brasil (RFB) publicou em seu sítio eletrônico nota, esclarecendo que “As instituições financeiras e os demais responsáveis tributários que não realizaram a cobrança do IOF e o recolhimento à Receita Federal nos termos das normas sustadas pelo Decreto Legislativo nº 176, 2025-CN e posteriormente com efeitos suspensos pela medida cautelar concedida no âmbito da ADI 7827, ADI 7839 e ADC 96, no período de suas vigências, não são obrigados a realizá-los retroativamente.” (Cf. https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/noticias/2025/julho/nota-da-receita-federal-do-brasil-2013-iof). De acordo com a nota informal do Fisco, “Aplica-se o entendimento, quanto ao afastamento da responsabilidade tributária, fixado no Parecer Normativo Cosit nº 1, de 24/09/2002, considerando a ineficácia das normas no período.”

Essa posição sugere que, para a RFB, será afasta no mínimo a multa pelo suposto pagamento extemporâneo do IOF, o que corrobora a solidez da tese para que, no período do DL 176/25, não se possa onerar o contribuinte que seguiu rigorosamente e de boa-fé as normas então vigentes.

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