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A recente publicação da Lei 14.711/2023 (Marco Legal das Garantias): a desburocratização do registro e a efetividade na execução das garantias

Em 31/10/2023 foi publicada a Lei 14.711/2023 (Marco Legal das Garantias), uma norma densa, com reflexos tributários, societários, processuais, civis, e que, dentre outras disposições relevantes, promoveu a desburocratização dos registros, facilitando a constituição das garantias e propiciando maior efetividade na execução destas, regulamentando, ainda, questões relevantes acerca do inadimplemento de obrigações contratuais.

O “Marco Legal das Garantias” modificou diversas leis importantes do nosso ordenamento jurídico, quais sejam: (i) Lei Federal nº 10.406/2002 (Código Civil); (ii) Lei Federal nº 9.514/1997 (Lei de Alienação Fiduciária); (iii) Lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos); (iv) Lei Federal nº 13.476/2017; e (v) Lei Federal nº 8.935/1994 (Lei dos cartórios).

Destacamos algumas das principais alterações realizadas com a publicação da Lei 14.711/2023, e que se relacionam de maneira direta com (i) os negócios jurídicos relacionados à compra e venda de imóveis e acesso a superfície para desenvolvimento de empreendimentos, (ii) além dos Project Finance no país.

i. Alienação Fiduciária (“AF”) superveniente: o Marco Legal autoriza o registro de uma segunda AF, de imediato, sobre o imóvel que já possua uma AF registrada. Para isso, a satisfação do crédito da segunda fica condicionada à execução da primeira, e assim sucessivamente, podendo haver várias “AFs” supervenientes. Para que sejam eficazes, as AFs anteriores precisam ser quitadas. Essa medida possibilita a maior exploração do valor econômico daquele bem garantidor;

ii. A extensão da garantia real para novas obrigações e cross default (inadimplemento cruzado): as alienações fiduciárias e hipotecas poderão ser estendidas para novas obrigações, desde que com o mesmo credor. Para as alienações fiduciárias, essa extensão pode ser utilizada apenas no âmbito do Sistema Financeiro Nacional e nas operações com Empresas Simples de Crédito. Já as hipotecas, por qualquer credor. A extensão da alienação fiduciária não poderá exceder ao prazo final de pagamento e ao valor garantido constantes do título da garantia original. Atrelada e essa prerrogativa, o Marco Legal também institucionalizou o cross default, isto é, em caso de inadimplemento de uma das obrigações garantidas, o credor poderá considerar vencidas antecipadamente as outras obrigações garantidas pelo mesmo bem.
a. Atenção: no casoda alienação fiduciária, deverá ser inserido no contrato constitutivo da garantia a cláusula cross default de maneira expressa (art. 22. § 8º da Lei de Alienação Fiduciária). Já no contrato de hipoteca não há essa necessidade, tendo em vista que a cláusula é regra e decorre da própria lei, independentemente de previsão contratual expressa (art. 1.477, § 2º do Código Civil);

iii. A execução extrajudicial das hipotecas: institui-se a figura da execução extrajudicial da hipoteca. Vencida a obrigação garantida, o credor poderá requerer a intimação dos devedores pelo próprio Cartório, e, não purgada a mora, inicia-se extrajudicialmente o procedimento de excussão da garantia, com a realização de leilão na modalidade eletrônica. A alienação fiduciária já contava com essa prerrogativa, embora com regulamentações distintas.

Execução extrajudicial da hipotecaExecução extrajudicial da AF
Não há necessidade de custear qualquer registro na matrícula ou recolhimento do ITBI;Pressupõe, obrigatoriamente, o recolhimento do imposto de transmissão e do registro da consolidação da propriedade na matrícula;
O credor pode desistir do procedimento, antes do primeiro ou do segundo leilão;Após a consolidação da propriedade, o “novo” proprietário é obrigado a levar o bem a leilão (“ponto de não retorno”);
Não havendo lance vencedor no segundo leilão, é facultado ao credor adjudicar o bem a si (nesta hipótese tendo que pagar o ITBI) e realizar a venda privada do bem a terceiro, por, no mínimo, 50% do valor de avaliação do bem, durante 180 dias. O credor não arca com o custo de aquisição, tampouco incorpora, de fato, o bem a seu patrimônio.O credor não possui alternativa, aperfeiçoando-se o imóvel, obrigatoriamente, em seu patrimônio, caso o bem não tenha sido arrematado no segundo leilão

Nota-se que, no que diferenciam os procedimentos de execução das garantias, temos, agora, uma maior amplitude no modo de agir do credor hipotecário, que, além da maior facilidade na constituição da hipoteca e a maior liberalidade para dispô-la nas cláusulas contratuais, em caso de frustração na vendo do imóvel após o segundo leilão, o credor pode apropriar-se do imóvel pelo valor reduzido ou realizar a venda direta do bem a terceiro, respeitado o prazo de 180 dias do último leilão.

a. Atenção: a execução extrajudicial de créditos hipotecários não se aplica às operações de financiamento das atividades agropecuárias

iv. Competência cartorária em multiplicidade de imóveis garantidores: na existência de mais de um registrador imobiliário competente, em razão da pluralidade de imóveis dados em garantia de uma mesma dívida, é possível escolher apenas um registrador imobiliário que realizará as intimações do garantidor e do devedor inadimplente, dentre os registradores dos imóveis dados em garantia para a purgação da mora, centralizando o procedimento administrativo e diminuindo o custo da operação;

iv. Leilões e arrematações na Alienação Fiduciária:

a. Nos casos envolvendo financiamento de imóvel residencial, e regra, no 1º leilão somente será admitida proposta em valor igual ou superior ao da avaliação, ao passo que, no 2º leilão será aceita a maior oferta, desde que igual ou superior ao valor total da dívida garantida pela AF mais antiga vigente sobre o bem (art. 26-A,§ 3º da Lei Federal 9.514/1997);

b. Nos casos residuais (que não abarquem financiamento de imóvel familiar), no 1º leilão também será admitida somente proposta em valor igual ou superior ao da avaliação, entretanto, no 2º leilão, agora é possível a aceitação de lance de 50% do valor da avaliação (art. 27, § 2º da Lei Federal 9.514/1997).

Portanto, não necessariamente haverá a exoneração do saldo da dívida pelo segundo leilão como regra geral. Se a dívida superar o valor auferido em leilão, o credor poderá cobrar o saldo residual de outra forma.

vi. Previsões processuais: os procedimentos judiciais que discutam controvérsias acerca do contrato ou dos requisitos procedimentais para a execução da AF e da hipoteca não obstarão a reintegração de posse em favor do arrematante do imóvel no leilão (com exceção da exigência de notificação prévia do devedor), devendo serem resolvidas por perdas e danos. Logo, o Marco Legal confere uma importante forma de proteção do terceiro adquirente do bem dado em garantia.

Reflexões adicionais sobre o Marco Legal das Garantias

Sem prejuízo das discussões sobre diversas questões afetas aos direitos societário, consumerista e trabalhista, o texto legal trouxe diversas formas de desburocratizar e acelerar o recebimento do crédito pelo credor das garantias, facilitando comunicações entre os registros imobiliários, conferindo maior autonomia aos tabeliões com diversos mecanismos para a resolução consensual e renegociação das dívidas, dispensando formalidades e, consequentemente, a necessidade de um processo judicial na maioria dos casos.

Levando em conta os impactos econômicos e sociais da nova lei, as expectativas tendem a ser extremamente benéficas para a sociedade como um todo, diminuindo o valor do crédito de uma maneira geral e conferir maior segurança jurídica para as partes. A desburocratização da execução se alinha aos formatos existentes em outros países, que valorizam, de forma ainda mais substancial, a desjudicialização da execução.

  • A aquisição de imóveis rurais por estrangeiros e equiparados:

O Marco Legal das Garantias conversa diretamente com a Lei nº 5.709/1971, que restringe a aquisição e o arrendamento de imóveis rurais por empresas estrangeiras e equiparadas. Isso porque, conforme o art. 1º, §2º, as restrições não se aplicam às hipóteses de constituição de garantia real, inclusive hipotecas e alienações fiduciárias. Da mesma forma, não se aplicam às aquisições de imóveis em liquidação de transação, inclusive por meio de garantia real.

Logo, os contratos para acesso a superfície firmados por esse tipo de pessoa jurídica poderão usufruir com mais amplitude e prerrogativas da instituição das garantias previstas e regulamentadas no Marco Legal.

  • A busca e apreensão extrajudicial de bens:

Um segundo ponto de atenção em relação ao Marco Legal das Garantias é o que dispõe o seu artigo 6º, ao incluir os artigos 8º-B, 8º-C, 8º-D e 8º-E no Decreto-Lei nº 911/1969. Tais artigos passaram a prever a possibilidade de o credor requerer a busca e apreensão extrajudicial de bens móveis ao oficial do registro de títulos e documentos, sem a necessidade de prévia autorização judicial.

Essa novidade, por se tratar de medida coercitiva, ensejou o ajuizamento de pelo menos três Ações Diretas de Inconstitucionalidade, proposta por associações de oficiais de justiça e magistrados, com o intuito de que sejam retiradas por inconstitucionalidade do texto normativo. As ADIs nº7.600, 7.601 e 7.608 estão sob a relatoria do Ministro Dias Toffoli e ainda não foram objeto de decisão liminar. Vale acompanhar o desfecho desse importante capítulo do Marco Legal.

A novidade legislativa ainda trará relevantes debates, com repercussões em vários setores estratégicos da economia.

A equipe de Assuntos Fundiários do Escritório William Freire Advogados Associados está à disposição para prestar quaisquer esclarecimentos sobre o assunto.


FUNDIÁRIO | WILLIAM FREIRE ADVOGADOS ASSOCIADOS

Ana Maria Damasceno                  Letícia Cavalli                    Daniel F. de Mendonça

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