Em decisão relevante para empresas estrangeiras e equiparadas, a Superintendência do INCRA em Mato Grosso do Sul se manifestou no sentido de indicar como imperativa a prévia autorização da autarquia para operações societárias que impliquem em alteração do controle acionário de determinada companhia.
A decisão da Superintendência Regional do INCRA foi proferida em sede de procedimento administrativo resultado de uma discussão judicial envolvendo a Eldorado Celulose (companhia de capital aberto), arrendatária e proprietária de terras rurais.
Segundo informações em meio público, a Eldorado teria aproximadamente 400 mil hectares de terras no Brasil, o que, para o Poder Judiciário para a Superintendência Regional do INCRA tornaria indispensável a autorização prévia do INCRA e do Congresso Nacional. A Superintendência Regional do INCRA em Mato Grosso do Sul recomendou que antes que as ações custodiadas fossem transferidas definitivamente CA Investment Brasil S.A (“a empresa equiparada a estrangeira”, segundo a análise do INCRA), fossem obtidas as competentes autorizações.
Segundo a CA Investiment, a aquisição da empresa brasileira detentora de imóveis rurais não se confundiria com a efetiva aquisição de terras rurais, de forma que era prescindível o atendimento às exigências da Lei n.º 5.709/71.
O contexto e a decisão da Superintendência Regional do INCRA em Mato Grosso do Sul
A operação societária, em meio a outras discussões, foi submetida à apreciação do Judiciário. Foram acatadas as alegações de que a operação societária pretendida pela CA Investiment estaria submetida às exigências da Lei n.º 5.709/71, bem como a incidência da Lei n.º 8.629/93[1] (que trata da autorização do Congresso Nacional para a aquisição além dos limites de área previstos na Lei nº 5.709/91, qual seja: 100 (cem) módulos de exploração indefinida para a pessoa jurídica estrangeira).
Em meados de 2023, o Poder Judiciário havia determinado a suspensão dos atos de transferência das ações Eldorado em favor da CA Investiment, bem como determinou a suspensão de aquisição de novas áreas rurais no território brasileiro pela Eldorado, até que fossem apresentadas as permissões pelo INCRA[2] e pelo Congresso Nacional[3], conforme exigido pelas Leis n.º 5.709/71 e 8.629/93.
A decisão, embora cause desconforto e questionamentos razoáveis de cunho prático e negocial, possui um fundamento legal. O art. 17, da Instrução Normativa 88 do INCRA, com supedâneo no Parecer AGU LA-01/2010 e na Lei 5.709/71 e seu regulamento, dispõe que as restrições à alienação ou arrendamento de imóvel rural por pessoa jurídica estrangeira ou à pessoa jurídica brasileira equiparada se aplicam também aos casos de fusão ou incorporação de empresas, de alteração de seu controle acionário, ou de transformação de pessoa jurídica brasileira para pessoa jurídica estrangeira, bem como, aos casos de aquisições ou arrendamentos indiretos, por meio de participações de quotas sociais ou de ações de empresas detentoras de imóveis rurais.
Segundo o Poder Judiciário, a prova colacionada aos autos demonstrava que a mudança de controle acionário da empresa brasileira (Eldorado), detentora de imóveis rurais, para o capital equiparado a estrangeiro mediante a aquisição de ações demandava a autorização do INCRA e do Congresso Nacional[4]. Além disso, pontuou o juízo que, no plano das aquisições de imóveis por pessoas jurídicas, há uma particularidade, já que a transferência de titularidade de imóveis poderia ser feita sem registros nos ofícios extrajudiciais de imóveis, bastando alterações contratuais nas empresas envolvidas, o que dificultava o controle estatal e social.
Como desdobramento da discussão judicial, a Superintendência Regional do INCRA em Mato Grosso do Sul, por meio de uma Nota Técnica emitida, concluiu pela necessidade de submissão prévia dessa operação societária ao INCRA e ao Congresso Nacional.
A decisão do INCRA também indicou que:
- A Eldorado, em comum acordo entre a adquirente e os transmitentes, cancelassem a aquisição e, após, permanecendo o interesse, fosse solicitada previamente ao INCRA e demais órgãos competentes a autorização, que deverá ser requerida pelo adquirente na forma prevista na Instrução Normativa n. 88, de 13 de dezembro de 2017 e no Manual de Orientação para Aquisição e Arrendamento de Imóvel Rural por Estrangeiro;
- Foi determinada a expedição de ofício à Junta Comercial do Estado de São Paulo – JUCESP e à Comissão de Valores Mobiliários – CVM “para ciência da decisão que vier a ser adotada, para as providências cabíveis dentro da sua esfera de competência a fim de evitar a formalização do negócio.
Em que pese a decisão restar efetivamente pautada na legislação brasileira, uma crítica que merece ser feita é que tanto o Manual de Orientação para Aquisição e Arrendamento de Imóvel Rural por Estrangeiro do INCRA, como a própria legislação aplicável tratam da submissão à autorização do INCRA às hipóteses de alteração de controle acionário (entre outras operações societárias) tão somente quanto às hipóteses de sua incidência. Sem descrever e indicar de forma qualificada o regramento aplicável às situações que fogem do ideal pretendido pela Lei que é de obtenção da autorização previamente à aquisição pretendida.
É questionável a orientação a determinada empresa, que já é detentora de terras rurais há longa data, que desfaça suas aquisições em razão de alteração de seu controle acionário. Especialmente, se diversas alterações forem feitas ao longo do tempo. Vale o questionamento sobre a forma como o INCRA, que tem quadro de servidores aquém do necessário, faria para proferir análises e decisões a respeito de operações societárias dessa natureza em tempo razoável.
Ainda que a norma objetive a proteção da soberania nacional, a sua efetividade é controversa exatamente pelo vácuo legislativo em hipóteses que fogem ao cenário idealizado, de obtenção prévia aos negócios mesmo para as hipóteses de alterações societária, que ainda que ignoradas pelo legislativo, existem e resultam em um espólio fundiário que a única solução apresentada pela norma é o cancelamento voluntário da compra e venda, envolvendo, inclusive, o alienante.
E vale ainda mencionar que essa falta de regulamentação para essas situações acaba por inviabilizar negócios e atrasar a consolidação de operações societárias, atos estes muito distantes da realidade ainda burocratizada do INCRA.
A equipe da Área Fundiária do William Freire Advogados Associados está à disposição para maiores esclarecimentos sobre o tema.
Equipe de Fundiário – William Freire Advogados Associados
Ana Maria Damasceno Letícia Cavalli
[1] Art. 23. O estrangeiro residente no País e a pessoa jurídica autorizada a funcionar no Brasil só poderão arrendar imóvel rural na forma da Lei nº 5.709, de 7 de outubro de 1971.
§ 1º Aplicam-se ao arrendamento todos os limites, restrições e condições aplicáveis à aquisição de imóveis rurais por estrangeiro, constantes da lei referida no caput deste artigo.
§ 2º Compete ao Congresso Nacional autorizar tanto a aquisição ou o arrendamento além dos limites de área e percentual fixados na Lei nº 5.709, de 7 de outubro de 1971, como a aquisição ou arrendamento, por pessoa jurídica estrangeira, de área superior a 100 (cem) módulos de exploração indefinida.
[2] Art. 1º da Lei nº 5.709/1971.
[3] Art. 23 da Lei nº 8.629/1993.
[4] No caso concreto, a empresa brasileira já era composta de 49,41% de capital social estrangeiro e passaria para 50,59% caso a operação societária pretendida se efetivasse.