Otávio Vilela²
Ana Maria Damasceno de Carvalho Faria³
Resumo: O presente artigo tem o objetivo de investigar o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR, tema nº 27 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que visa solucionar as divergências quanto à indenização devida à União nos casos de usurpação mineral. A partir da análise dos autos do incidente e do procedimento de suscitação/admissão, considerando a legislação, a jurisprudência e as propostas doutrinárias, verificou-se vícios do procedimento em relação à causa-piloto, à delimitação do cenário fático, à publicidade e ao contraditório. Essas deficiências maculam a legitimidade da tese jurídica a ser fixada pelo TRF4, mas podem ser sanadas, a fim de garantir a almejada segurança jurídica e o tratamento isonômico dos sujeitos. Para isso, também são traçadas considerações em relação aos pressupostos da responsabilidade civil, ao regime jurídico do patrimônio mineral e à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ. Analisando as ações coletivas suscetíveis de suspensão ou aplicação da tese, aponta-se os riscos de ineficiência do sistema judiciário e mecanismos para mitiga-los.
Palavras-chave: Mineração. Processo Civil. IRDR. Usurpação Mineral.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem o objetivo de investigar o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR envolvendo os casos de usurpação mineral e a indenização devida à União, mais especificamente: se existem vícios no procedimento; quais as formas de garantir maior legitimidade à tese eventualmente fixada; e, as repercussões sobre os processos individuais.
A abordagem do tema é extremamente relevante para o setor mineral, para a União e para o sistema de justiça. Em relação ao primeiro, é necessário que o mercado tenha previsibilidade jurídica e seus agentes recebam um tratamento isonômico pelo poder judiciário. Em relação à segunda, porque a União deve ter como satisfeitos todos os seus direitos decorrentes do cometimento do ilícito da usurpação mineral, assim como deve ter segurança da aplicação da tese nos demais processos pendentes/futuros. Em relação ao terceiro, porque o procedimento do IRDR deve ser correto e eficiente, sem retrabalhos ou geração de inseguranças. Para que esses fatores ocorram, é necessário que a tese seja justa e legítima, o que ocorrerá apenas por meio da publicidade e do contraditório4.
A metodologia adotada para trazer esse tema à luz consiste na análise crítica do procedimento do incidente com base na legislação, na jurisprudência e nas propostas doutrinárias, assim como nas considerações sobre as peculiaridades do direito material subjacente. Além dos apontamentos críticos, são realizadas sugestões de aprimoramento.
A estrutura adotada para exposição do trabalho ocorre, primeiramente, com uma breve exposição dos principais conceitos trabalhados, sendo eles a usurpação mineral, os parâmetros adotados pelos Tribunais para a fixação do valor da indenização e o incidente de resolução de demandas repetitivas. Em seguida, analisa-se o procedimento do incidente, perpassando pelas seguintes etapas: (i) o incidente suscitado, com foco em suas peculiaridades; (ii) a fase de suscitação, com foco na conduta da União, avaliando também o processo de origem e a demonstração dos requisitos de admissibilidade – nessa etapa já são abordados os primeiros vícios do procedimento; (iii) a fase de admissão, com foco especial na conduta do órgão julgador e na decisão de admissibilidade, tecendo relevantes considerações sobre publicidade e participação – nessa etapa também são apontados vícios, com sugestões de saneamento e é apresentado o imprescindível norteamento das decisões pelos pressupostos da responsabilidade civil; (iv) a fase de organização, ainda que inexistente até o momento, mas como sugestão de aprimoramento do procedimento; e (v) finalmente a fase de julgamento, com sugestões de adoção de técnicas gerenciais do procedimento, indicações das principais questões de divergência para fixação do parâmetro indenizatório (regime jurídico do patrimônio mineral, enriquecimento sem causa e impossibilidade de caráter pedagógico-punitivo do dano material) e considerações sobre a jurisprudência do STJ. Por fim, analisa-se as repercussões do julgamento do incidente para as ações coletivas pendentes e futuras, que devem ser objeto de atenção dos julgadores e dos jurisdicionados.
O setor minerário e a sociedade já participaram de procedimentos que tramitaram em meio a deficiências do contraditório e da ampla defesa. É o caso do IRDR suscitado pela Samarco no TJMG (nº 1.0273.16.000131-2/001) envolvendo a indenização pela interrupção no fornecimento de água, que teve amplo déficit de legitimidade em razão de vedações à participação processual, como apontado por estudo acadêmico5. Para que cenários assim não se repitam, as falhas no gerenciamento de incidentes devem ser contidas.
2 BREVE DESCRIÇÃO DOS CONCEITOS
2.1 Usurpação mineral
A partir da Constituição de 1934, houve a separação do solo e subsolo – regime que vigora até os dias de hoje (art. 20, IX e art. 176, caput da CR/88), prevendo que os recursos minerais são de titularidade da União e que o subsolo apenas poderia ser explorado mediante autorização ou concessão federal (art. 176, §1º da CR/88). Dessa forma, é possível compreender que “a ilegalidade que brota da usurpação é justamente decorrência da cisão entre a propriedade privada e a construção normativa da titularidade regrada do subsolo”6.
Nesse sentido, Valkiria Silva Santos Martins conceitua a usurpação mineral como a “atividade de extração mineral ilegal, perpetrada por mineradores que não possuem título autorizativo de lavra”7. Todavia, Marcelo Kokke e Nathan Gomes vão além e a definem como não apenas “a exploração dos recursos minerais sem a devida autorização estatal, mas também pelo exercício da atividade minerária em desconformidade com os termos permissivos”8.
Essa distinção entre a “atividade sem título” e a “atividade em desconformidade com o título” gera debates até mesmo em torno da denominação do ilícito, de forma que alguns9 sustentam a ocorrência da usurpação mineral (lavra ilegal) para as “atividades sem título” e a ocorrência da lavra irregular para as “atividades em desconformidade com o título”10. Todavia, a única distinção necessária é entre os cenários fáticos de cada caso. Não há utilidade em atribuir nomenclaturas em abstrato, pois o artigo 2º da Lei de Definição de Crimes Contra a Ordem Econômica (Lei Federal nº 8.176 de 1991) tipificou e denominou ambas as condutas – e ainda outras mais (aquisição, transporte etc.) – como usurpação mineral:
Art. 2° Constitui crime contra o patrimônio, na modalidade de usurpação, produzir bens ou explorar matéria-prima pertencentes à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo.
Pena: detenção, de um a cinco anos e multa.
§ 1° Incorre na mesma pena aquele que, sem autorização legal, adquirir, transportar, industrializar, tiver consigo, consumir ou comercializar produtos ou matéria-prima, obtidos na forma prevista no caput deste artigo.
Após a previsão constitucional da titularidade da União sobre os recursos minerais, foi necessário que o legislador infraconstitucional previsse as condutas ilegais e os meios de responsabilização dos infratores, que podem ocorrer concomitantemente na esfera penal11, administrativa e cível. Em relação a essa última, o mais comum é que ela se concretize no pleito indenizatório em favor da União – podendo haver cumulação com outros pedidos12.
2.2 As variações dos parâmetros indenizatórios
A União pleiteia a indenização pelo minério usurpado por meio da ação civil pública, prevista na Lei nº 7.347 de 198513, mas para que ocorra a judicialização, existem etapas pré-processuais a serem percorridas, como bem descrito por Valkiria Martins:
Diante dos atos de ilegalidade da empresa, em vistoria a ser realizada pelo Departamento Nacional de Propriedade Mineral – DNPM [atualmente ANM], se constatada na oportunidade a atividade latente de lavra ilegal, é imitido Auto de Paralisação e Interdição e, caso haja minério pronto para beneficiamento e/ou comercialização, é lavrado, também, Auto de Apreensão.
Constatando o DNPM [ANM] a existência de indícios de extração ilegal, mesmo se não emitidos os referidos autos, é encaminhado o relatório à Procuradoria da União, Ministério Público Federal e Polícia Federal. Órgãos constitucionalmente competentes a investigar e/ou exigir judicialmente o cumprimento de penalidades e ressarcimento ao erário dos danos ambientais e minerais decorrentes14.
A quantidade de minério ilegalmente extraída (volume) pode ser apurada (ou estimada) por meio da verificação do recolhimento de Compensação Financeira de Recursos Minerais – CFEM, de excedentes em Guias de Utilização15, de lançamentos de notas fiscais, de outros documentos contábeis da empresa, da prestação de informações pelos envolvidos, funcionários etc. A partir dessas diversas hipóteses, que também podem incluir estudos técnicos da área objeto de explotação (normalmente realizada no processo judicial em forma de prova pericial), a União realiza seu pedido indenizatório.
Ocorre que as decisões judiciais adotam parâmetros inconsistentes para fixar a condenação, variando entre juízes(as), turmas e Tribunais16. Por meio de levantamento jurisprudencial17, verifica-se a existência de 12 (doze) diferentes parâmetros: (i) faturamento da empresa; (ii) lucro da empresa; (iii) CFEM; (iv) lucro menos CFEM recolhida; (v) lucro mais valor do minério in situ; (vi) valor do minério in situ; (vii) 50% do faturamento; (viii) 50% do faturamento mais CFEM não recolhida; (ix) 50% do faturamento menos CFEM recolhida; (x) faturamento menos CFEM recolhida; (xi) faturamento menos CFEM recolhida menos despesas; (xii) faturamento menos CFEM recolhida menos despesas de transportes e seguros.
2.3 Incidente de resolução de demandas repetitivas
O incidente de resolução de demandas repetitivas foi uma inovação do Código de Processo Civil de 2015, estando previsto nos artigos 976 a 987. Em breve síntese:
Objetiva-se, com o incidente, fixar entendimento que resolva questão jurídica (de direito material ou processual) repetida em inúmeros processos, o qual será aplicado no julgamento de todos os casos presentes e futuros em que esteja presente a controvérsia, evitando-se a quebra de isonomia entre os jurisdicionados e gerando segurança jurídica na interpretação e aplicação do direito18.
Segundo Gláucio Maciel e Victor Barbosa, “como as demandas repetitivas têm uma origem comum, buscou-se um instrumento jurídico que pudesse uniformizar, em menos tempo que no procedimento atual, o entendimento do Judiciário acerca de determinada questão de direito, de modo a prover uma solução uniforme para diversos casos”19.
3 O PROCEDIMENTO
3.1 O incidente suscitado pela União
Como forma de solucionar a controvérsia jurídica em torno do parâmetro indenizatório das condenações em ações civis públicas de usurpação mineral, garantindo a segurança jurídica ao sistema e a isonomia ao mercado, a União suscitou o IRDR nº 5013962-21.2021.4.04.0000 em abril de 2021, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, cujo tema atribuído fora o nº 2720.
Na petição de suscitação, indica que a 3ª Turma do TRF4 tem julgamento unânime no sentido de adotar o “valor de mercado do minério” como parâmetro, deixando de deduzir, inclusive, custos de produção, faturamento, outros tributos e ônus da atividade da empresa, sendo esse entendimento sustentado pelos artigos 944 e 952 do Código Civil. Por outro lado, indica que a 4ª Turma do TRF4 adota o parâmetro de “50% do faturamento”, guiando-se pelos princípios constitucionais da razoabilidade e proporcionalidade.
Tratando-se a União da própria autora das ações civis públicas, ela buscou a fixação da tese mais favorável, qual seja: “a indenização da União pelo dano decorrente da lavra ilegal deve ser integral e calculada com base no valor de mercado do respectivo minério usurpado”. Para isso, elencou entendimentos do STJ nesse mesmo sentido (REsp 1783564/SC, AREsp 1520373/SC, AgInt no REsp 1702935/RS e AREsp 1676246/SC).
Por fim, requereu a suspensão dos processos pendentes no Tribunal, a comunicação da suspensão, a requisição de informações aos órgãos em cujo juízo tramitam processos com mesmo objeto e a intimação do MP, das partes e dos demais interessados para manifestação.
3.2 A fase de suscitação do incidente
Nesta oportunidade, considera-se a fase de suscitação do incidente como a verificação do comportamento da União e as opções procedimentais escolhidas para a suscitação do incidente, a partir da análise da petição de instauração, dos argumentos elencados, do estado do processo de origem (causa-piloto) e da sua condução.
3.2.1 Requisitos de admissão: artigo 976, I, II, §4º do CPC
Os requisitos para admissão do IRDR são: (i) controvérsia sobre questão unicamente de direito (art. 976, I do CPC); (ii) efetiva repetição de processos que contenham a controvérsia (art. 976, I do CPC); (iii) risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica (art. 976, II do CPC); (iv) não afetação de recurso representativo nos tribunais superiores sobre a mesma questão (art. 976, §4º do CPC); e (v) recurso pendente de julgamento no tribunal suscitado.
A fim de demonstrar o preenchimento dos requisitos para a instauração do IRDR, a União demonstrou a efetiva repetição de processos sobre o tema, indicando individualmente recursos que tramitam na 3ª (14 recursos) e na 4ª Turma (10 recursos) do TRF4 – consequentemente, recursos pendentes no tribunal suscitado. Não obstante, também indicou a existência de diversos outros processos tramitando em primeiro grau, que posteriormente poderiam alcançar o TRF4 para discussão do parâmetro indenizatório.
Quanto ao requisito da questão unicamente de direito, a União indicou que não há “necessidade de apuração de fatos, ou de discussão sobre ‘se e quando estes’ ocorreram (…) não há matéria fática que importe ao estabelecimento desses critérios que vão reger o modo de apuração da indenização do Ente Federal”.
Tratando do risco para a isonomia e para a segurança jurídica, apontou os reflexos sobre os processos (que estarão à mercê da distribuição dos recursos à 3ª e 4ª Turma do TRF4) e sobre as demais empresas do ramo (cuja competividade será alterada pelo tratamento anti-isonômico). Por fim, indicou que a questão não havia sido afetada pelos Tribunais Superiores.
Os requisitos de admissibilidade previstos pelo CPC foram devidamente preenchidos, todavia, observa-se que a União poderia ter argumentado melhor e atingido maior potencial do incidente. Ao contrário de um cenário de divergência sobre 02 (dois) parâmetros indenizatórios, em realidade existem 12 (doze) diferentes parâmetros, e, consequentemente, a controvérsia, a repetição de processos e o risco à isonomia/segurança jurídica envolvidos são muito maiores e mais amplos do que o que foi apresentado.
3.2.2 Requisitos de admissão: escolha da causa-piloto
Além dos requisitos delineados acima, a doutrina especializada compreende a necessidade de a suscitação/admissão do incidente ocorrer em processo no qual as questões tenham sido bem discutidas. Isso porque “ao escolher para afetação ao procedimento dos repetitivos um processo inadequado, também a decisão do incidente pode não vir a ser a melhor solução da controvérsia”21. Essa melhor seleção ocorre por meio da análise de aspectos objetivos (amplitude do contraditório, qualidade da argumentação, diversidade de argumentos, contraditório efetivo, inexistência de restrição à cognição) e aspectos subjetivos (pluralidade e representatividade) do processo de origem.
A questão é ainda mais delicada quando envolve os litigantes habituais – “aqueles que possuem diversos processos versando sobre a mesma matéria”22, como é o caso da União, que figura como autora em todas as ações civis públicas de usurpação mineral. Esses sujeitos podem escolher em qual processo suscitarão o incidente conforme seus interesses na tese a ser fixada.
Em realidade, a União não realizou uma escolha adequada da causa-piloto do incidente, pois o processo de origem (nº 5007961-98.2019.4.04.7110 do TRF4): (i) contém apenas um réu no polo passivo; (ii) teve decretada a revelia desse réu; (iii) teve o julgamento antecipado da lide; (iv) não teve participação de terceiros; (v) não teve produção de provas. A simplicidade do processo – que normalmente exige fase de saneamento e fase instrutória – foi tamanha que entre a distribuição da inicial (28/09/2019) e o sentenciamento do feito (24/03/2020) não transcorreram nem mesmo 06 (seis) meses. Não há o preenchimento de qualquer aspecto objetivo ou subjetivo que legitime a escolha da causa-piloto.
Paulo Eduardo Alves da Silva e Natália Batagim de Carvalho já advertiam, que:
A possibilidade de o jogador repetitivo escolher em qual processo essa técnica de julgamento deve ser aplicada também é relevante quando se considera a parte contrária no processo originário, que será intimada para apresentar razões. Sendo parte em inúmeras demandas semelhantes, o jogador repetitivo pode escolher um caso em que a representação do adversário, por exemplo, encontra-se debilitada23.
Para única surpresa, a sentença adotou o parâmetro da “diferença entre o valor de mercado do recurso mineral extraído e o custo médio de produção”, pois adotar o rendimento ou lucro auferido pela empresa implicaria em enriquecimento sem causa da União. A intenção de reformar a condenação garantiu até mesmo o interesse de agir na suscitação do incidente (necessário considerando a natureza de causa-piloto desse procedimento).
Essa condição do processo de origem, capaz de contaminar o procedimento do incidente, joga luz sobre a atuação dos litigantes habituais24, pois; por qual motivou a União optou por suscitar o incidente em um processo tão frágil (houve revelia e julgamento antecipado) e pobre (democrática e processualmente) como esse? Considerando que houve prazo de quase um ano entre a interposição do recurso de apelação (contra a sentença mencionada acima) e a suscitação do incidente, nota-se que a União fez escolha consciente da causa-piloto dentre os processos que estavam pendentes de julgamento no TRF4.
3.3 A fase de admissão do incidente
Por sua vez, denomina-se, neste trabalho, a fase de admissão como o procedimento adotado pelo órgão julgador no TRF4, do recebimento da petição de suscitação até o julgamento de admissibilidade, incluindo: a questão jurídica admitida, a publicidade, o contraditório etc.
3.3.1 A questão jurídica admitida
Após o delineamento, pela parte suscitante, da questão jurídica objeto de controvérsia (art. 976 do CPC), o órgão colegiado competente procede ao juízo de admissibilidade do incidente (art. 981 do CPC). Não há maior digressão do Código sobre essa fase de fixação da questão controvertida, logo, presume-se que o órgão esteja vinculado aos limites da proposta da parte suscitante, por exemplo: se a parte suscita IRDR sobre a questão jurídica “X”, o órgão deve (in)admiti-lo com base em “X”, não alterando-o para “Y”, “X + Z” ou “X – W”.
Trata-se de debate entre o princípio dispositivo e o poder de agir de ofício, que ganha ainda mais força na sistemática dos precedentes, cujos efeitos irradiam aos demais sujeitos.
Os efeitos dessa percepção são de grande significado e importância, tanto para os operadores do direito quanto para os sujeitos de direito material, isso porque o Código apresenta algumas lacunas, como: há vinculação do órgão aos limites da questão jurídica admitida? Ele poderia revisitar/alterar esses limites? Poderia haver um efeito sanfona de retração e expansão? Segundo o TJMG, no julgamento do IRDR da Samarco (nº 1.0273.16.000131-2/001), analisar os quesitos de admissibilidade (e aí incluímos a questão jurídica suscitada, por se tratar de requisito de admissão), na fase de julgamento, seria impossível.
No debate da usurpação mineral, observa-se que a União não elencou os demais parâmetros de indenização (ver capítulo 2.2) e não considerou as bases fáticas distintas possíveis entre os casos de ocorrência de usurpação mineral.
Apesar dos vícios contidos nas duas omissões, é possível que os prejuízos se operem apenas em relação à última, pois o colegiado que admitiu o incidente fixou a controvérsia mais ampla do que a pretendida pela União – não havendo, portanto, nulidade, pois não há prejuízo. Ao invés de decidir entre apenas dois parâmetros indenizatórios (valor de mercado e 50% do faturamento), o incidente foi admitido para decidir, genericamente, qual deve ser o parâmetro.
Segundo a Desa. Rela. Mara Ingher, analisando os artigos 944 e 952 do Código Civil, a jurisdição deve complementar a lacuna normativa apurando o critério/parâmetro para a realização do preceito da indenização integral, na condição de questão de direito.
Questão jurídica suscitada | Questão jurídica admitida |
O ressarcimento pelo dano causado ao patrimônio minerário da União deve ser integral, ou apenas parcial? | Definição do critério para a valoração da indenização devida à União a título de ressarcimento em razão da extração ilícita de minério. |
Tabela 1 – Questão jurídica suscitada x admitida
A opção do órgão julgador e da nobre desembargadora oferece trilha mais propícia ao debate e à análise mais aprofundada da questão. Trata-se também de exemplo notório da boa utilização dos poderes dos(as) juízes(as) de gerenciar o processo, contendo condutas danosas dos suscitantes. Ainda que venha a ser fixado um dos dois parâmetros apontados pela União, não há impedimento para apreciação dos outros 10 (dez).
3.3.2 O delineamento das questões fáticas
Apesar de a União indicar que “não há matéria fática que importe ao estabelecimento desses critérios que vão reger o modo de apuração da indenização do Ente Federal” e da própria disposição do CPC sobre “questão unicamente de direito” (art. 976), o delineamento das questões fáticas é imprescindível. Visto sob a ótica do microssistema de repetitivos25, ele possibilita a realização da distinção (distinguishing), para os casos sobrestados e para os casos futuros, que “somente poderá ser exercido adequadamente se houver uma decisão bem delimitada que possa ser utilizada como paradigma”26.
Segundo Sofia Temer e Fredie Didier Jr., “não bastará, contudo, identificar a questão jurídica, sem delimitar a situação fática que lhe está, subjacente, ou seja, as circunstâncias fáticas que ensejam a controvérsia ou, ainda, a categoria fática para a qual a tese será aplicada”27. Essa responsabilidade recai sobre o órgão julgador, que convém realizá-la o quanto antes, para assim gerenciar adequadamente o incidente e o debate.
Gláucio Maciel e Victor Barbosa advertem que “não há como interpretar um texto em abstrato, tendo em vista que o sentido normativo de um texto sempre pressupõe, no mínimo, uma ilustração da sua possibilidade de aplicação”28. Nesse sentido, o conceito de ressarcimento “em razão da extração ilícita de minério”, apesar de já delimitar o tipo de ação que será objeto de indenização, não oferece a melhor categoria fática (ou ilustração) para solucionar as controvérsias e dar fim ao risco à isonomia/segurança jurídica.
Já se demonstrou que não há utilidade em distinguir entre extração sem autorização (ilegal/ilícita) e em desconformidade com o título (irregular). O essencial é verificar se houve: (i) ação; (ii) dano; (iii) nexo de causalidade; e (iv) culpa. Logo, interessa analisar:
- A ação, que necessariamente deve ser o ato de extrair/explotar. Em relação às outras condutas previstas pelo art. 2º, caput e §1º da Lei Federal nº 8.176 de 1991 (produzir, adquirir, transportar, industrializar, ter consigo, consumir ou comercializar), elas devem ser sancionadas penal e administrativamente, mas não civilmente, pois não há nexo de causalidade com o dano gerado à União e não há previsão de solidariedade civil para indenizar;
- Posteriormente, se efetivamente houve dano à União (diminuição do patrimônio, seja em dano emergente ou cessante), seguindo para o nexo de causalidade e a culpa.
Para ilustrar a complexidade de uma circunstância fática, destaca-se o acórdão da apelação cível nº 5006053-13.2013.4.04.7208, julgado pela 3ª Turma do TRF4, que apesar de não adentrar expressamente nos conceitos de dano e culpa, os considerou ao entender que:
Em situação de calamidade pública, a utilização de serviço particular para retirada de material decorrente de desmoronamento de encostas por falta de condições do Poder Público para fazê-lo, com apropriação dos minerais pelo particular após prestar o serviço de utilidade pública, justifica a condenação do particular ao ressarcimento ao erário público da UNIÃO do valor do minério excepcionalmente descontados os custos da operação, que se tratou de serviço de utilidade pública29.
Cabe ao TRF4 fixar tese que além de definir qual o parâmetro indenizatório, determine quando essa indenização será devida: nos casos em que houver efetiva demonstração da ação de extrair/explotar recurso mineral, do dano causado à União, do nexo de causalidade e da culpa. Assim, haverá pacificação da questão e norteamento dos juízes inferiores.
3.3.3 A publicidade e o contraditório
Em que pese a boa limitação da questão jurídica, o cenário é totalmente diverso para a publicidade e para o contraditório. No caso ora analisado, não houve sequer oportunidade da ampla participação. Após suscitação e apresentação de memoriais pela AGU, houve a admissão.
Antes dessa admissão, não houve intimações ou comunicações, nem mesmo publicidade. Apesar de constar no art. 979 do CPC a necessidade da “mais ampla e específica divulgação e publicidade”, o incidente não foi catalogado pelo NUGEP do TRF4 e inserido em página específica do site do Tribunal até a sua admissão – o NUGEP em questão não registra a partir dos IRDRs suscitados, ao contrário do TJMG por exemplo.
Por outro lado, a “ampla publicidade” não está restrita a esses registros nos bancos de dados. Boas (e necessárias) práticas são, por exemplo, a divulgação do incidente em notícias veiculadas na página principal dos Tribunais, em informativos e boletins dos Tribunais, em canais dos NUGEPs no Telegram. Essa publicidade permite que a sociedade e os operadores do direito acompanhem a utilização dos institutos e as atividades dos tribunais, assim como permite que os sujeitos interessados venham a ter ciência da existência de um IRDR sobre questão que, evidentemente, tenham interesse.
Há um enorme poder concentrado na figura do suscitante do IRDR, que centraliza ali apenas as variáveis (e possíveis soluções) da questão jurídica objeto da controvérsia e às vezes até mesmo atua em desconformidade à boa-fé processual (art. 5º do CPC), como alertado por Antônio do Passo Cabral30. Nesse cenário, além de o debate melhorar a prestação jurisdicional na condução do incidente, ele também serve como mecanismo de controle em relação à atuação do suscitante – que foi mitigada pela ampliação da questão quando da admissão –, mas deve ser objeto de atenção até a decisão de mérito e efetivamente realizado/oportunizado.
3.3.3.1 A participação da agência reguladora: ANM
Em se tratando de questões que versem sobre concessões e autorizações, Sofia Temer e Fredie Didier destacam a importância da comunicação prévia à respectiva agência reguladora, para “legitimar a própria tese jurídica a ser firmada”31 O caso da usurpação é exemplo claro dessa relação, pois trata justamente da explotação sem título ou fora dos limites daquele título.
A intervenção de terceiros no processo é guiada pelos conceitos de interesse do participante e utilidade da sua participação, não havendo dúvidas quanto ao perfeito enquadramento da Agência Nacional de Mineração – ANM32. Além de suas diversas funções, ela tem a finalidade de “promover a gestão dos recursos minerais da União, bem como a regulação e a fiscalização das atividades para o aproveitamento dos recursos minerais no País” (art. 2º, caput, da Lei nº 13.575/2017), o que está intrinsecamente relacionado com o ato de usurpação e suas mais diversas repercussões jurídicas, sociais e econômicas. Essas funções se enquadram no interesse de (i) garantir a formação de padrão decisório favorável, (ii) defender interesses públicos e (iii) colaborar para o exercício da atividade jurisdicional33. Ao participar do processo e exercer esses interesses, a ANM é capaz de contribuir com todo o seu conhecimento técnico e expertise do setor, a sua estrutura de servidores públicos especializados, as relações tidas com os sujeitos mineradores e principalmente o papel regulatório que exerce.
Não há como conceber a formação de um precedente vinculante relacionado ao setor minerário, sem a participação do sujeito responsável pela sua regulação. Trata-se da ponte direta entre a titular dos recursos minerais (União) e os sujeitos da mineração.
3.4 A fase de organização do incidente
Denomina-se a “fase de organização” como a fase de prolação da decisão de organização do incidente, após a decisão de admissão (se positiva), como proposta por Sofia Temer e Fredie Didier Jr., utilizando como paradigma o Regimento Interno do TJBA. Essa decisão objetiva “viabilizar que a definição da tese jurídica seja legítima, sob a perspectiva de oportunizar a efetiva divulgação de sua instauração e o engajamento dos sujeitos envolvidos no debate”34, por meio da:
(i) identificação precisa do objeto do incidente; (ii) escolha, se necessário, dos casos representativos da controvérsia; (iii) definição de critérios para a participação de terceiros, seja como amicus curiae, seja como sujeitos juridicamente interessados, inclusive definindo uma possível calendarização do procedimento do incidente; (iv) comunicação aos interessados e à sociedade sobre a afetação da matéria; (v) comunicação aos juízos inferiores sobre a suspensão das demandas que versem sobre a questão submetida a julgamento35.
A decisão de organização depende de uma condução prévia adequada do incidente, pois, para que essa decisão indique os argumentos dissonantes já apresentados e os dispositivos normativos identificados, assim como verifique se há novos argumentos a serem apresentados pelos sujeitos interessados, é necessário que tenha havido a correta publicidade e oportunidade do contraditório, com ampla participação democrática. No presente caso, apesar de ser salutar ao processo e capaz de otimizar o procedimento, ainda não houve decisão dessa natureza.
3.5 A fase de julgamento do mérito do incidente
Por fim, a fase de julgamento é aquela em que o Tribunal decide sobre a questão jurídica objeto da controvérsia. Ela se dá entre a admissão – ou organização – e o trânsito em julgado, sendo que o incidente nº 27 do TRF4 nela se encontra durante a elaboração deste trabalho.
Apesar dos vícios de escolha da causa-piloto, da ausência de delineamento das questões fáticas, da publicidade e do contraditório, observa-se uma mudança na fase de julgamento do mérito. Os dois primeiros vícios ainda não foram abordados no processo, porém, em relação à publicidade e ao contraditório, algumas medidas foram adotadas. O incidente foi adicionado no banco de dados do NUGEP do TRF4 e, em relação ao contraditório, o MPF foi intimado (apesar de não ter se manifestado) e um sujeito interessado, jurisdicionado em processo pendente, se manifestou após o sistema do TRF4 informar em seus autos sobre a tramitação do IRDR. Essas medidas, todavia, ainda não são satisfatórias para que cumpram efetivamente suas funções.
Para que o contraditório possa ocorrer, duas abordagens podem (e devem) ser adotadas pelo órgão julgador. A primeira é fomentar a publicidade e divulgação do incidente, até mesmo por meio das técnicas indicadas no capítulo 3.3.3, incentivando a participação voluntária no debate. A segunda é convocar terceiros (na forma de citação ou intimação) para que se manifestem no processo, ou seja, participação na forma provocada. Inúmeros sujeitos são capazes de exercer esse papel36, incluindo pessoas físicas e jurídicas, de direito público e privado, órgãos e entidades.
Cita-se, exemplificadamente: ANM; Instituto Brasileiro de Mineração – IBRAM; Instituto Brasileiro de Direito Minerário – IBDM; Comissões de Direito Minerário de OABs; Grupo de Estudos em Direito Minerário – GEDIMIN; Observatório da Mineração; doutrinadores(as); professores(as); peritos(as); pessoas de destaque na área, com expertise, conhecimentos técnicos; jurisdicionados nos processos pendentes.
A participação democrática possibilitará o debate sobre os parâmetros da condenação e sobre os cenários fáticos a serem considerados pela tese do incidente. Quanto mais abrangente em relação às convicções e razões para adoção de determinado parâmetro, mais legítima se tornará a tese fixada, pois segundo o STJ, o IRDR “permite um ambiente de pluralização do debate, em que sejam isonomicamente enfrentados todos os argumentos contrários e favoráveis à tese jurídica discutida; bem como seja ampliado e qualificado o contraditório, com possibilidade de audiências públicas e participação de amicus curiae”37.
3.5.1 O julgamento do mérito, a tese e o parâmetro indenizatório
O objeto do incidente é a fixação de uma tese para solucionar as divergências, de forma que não seria possível elaborar este trabalho sem ao menos adentrar, ainda que superficialmente, nessa matéria. Espera-se que a resposta a ser encontrada esteja presente em um daqueles 12 (doze) parâmetros indicados no capítulo 2.2, isso porque eles refletem uma evolução jurisprudencial, que vem se formando há aproximadamente 10 anos. Durante essa evolução, a doutrina também se debruçou sobre a matéria, inclusive em divergência. Diego Veras (magistrado), reconhece que a indenização devida à União deve ser a CFEM não recolhida, não podendo extrapolar esse limite38. Valkiria Martins (advogada da União), por outro lado, entende por um cálculo do “volume aproveitado multiplicado pelo valor de mercado do minério, bem como (…) um valor a título de lucros cessantes, referente ao recurso mineral não aproveitado”39. Ana Maria Damasceno e Tiago de Mattos (advogados), todavia, definem que a indenização pode ocorrer fundamentadamente com base em 03 (três) parâmetros, quais sejam a CFEM, o minério in situ (“antes de qualquer tipo de exploração ou beneficiamento”) e o lucro líquido obtido, mas nunca com base no faturamento40.
Além disso, os(as) autores(as) oferecem considerações substanciais para a compreensão desses casos, como por exemplo: (i) o fato de que o valor da condenação não será direcionado ao erário da União, mas sim ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, por força do art. 13 da Lei nº 7.347/8541; (ii) a proteção do minerador pela aprovação do plano de aproveitamento pela ANM, em caso de discussões sobre descarte de estéril e rejeito42; e (iii) a atenção em relação ao punitive damages e qualquer outro que exceda a esfera patrimonial43. Não se descarte, também, a contribuição dos Pareceres JT – 05 de 29 de jun. de 2009 (aprovado pela Presidência da República em 29 de jun. de 2009) e 46/2012/FM/PROGE/DNPM de 02 de mar. de 2012.
O cerne de toda a divergência, seja ela jurisprudencial ou doutrinária, reside na definição do regime jurídico da propriedade dos recursos minerais pela União. Após a solução desse impasse, a partir do já antigo e desenvolvido Direito Administrativo brasileiro (tendo em vista que nesse âmbito não se aplica o conceito de propriedade civilística), será possível fixar o parâmetro indenizatório. Cada um dos trabalhos supracitados exerce seu papel na construção dessa definição, analisando primeiro o regime jurídico e depois o parâmetro (se CFEM, minério in situ, lucro líquido, 50% do faturamento ou faturamento), sendo um erro pular essa etapa predecessora – haveria fixação de uma tese ilegítima e violação do dever de fundamentação.
Em que pese existirem pronunciamentos do STJ, que apenas recentemente vem recebendo essas demandas em sede recursal (REsp 1783564/SC, AREsp 1520373/SC, AgInt no REsp 1702935/RS e AREsp 1676246/SC), em todos eles não houve análise sobre a propriedade do patrimônio mineral, o que é fundamental para compreender a extensão do dano e da consequente indenização. Em nenhum deles foi considerada a possibilidade de enriquecimento sem causa da União, que apenas pode ser analisado após definido o regime da propriedade. Ademais, o mencionado “caráter pedagógico-punitivo” da indenização, quando aplicado no dano material (seja ele emergente ou cessante), viola todo e qualquer conceito de patrimonialidade. Ele deve ser aplicado apenas em pedidos de dano moral, em razão de sua tríplice função que, conforme a jurisprudência do STJ (REsp 1502967/RS), inclui esse caráter.
O objetivo de analisar os julgados citados pela União e a jurisprudência da Corte não é enfrentar suas conclusões, mas sim indicar que há graves vícios de fundamentação. Ademais, o STJ já vem citando essas frágeis decisões como fundamento para decisões mais recentes – é o caso do AREsp 1676262/SC, no qual o Min. Relator cita o AREsp 1520373/SC e adota integralmente suas razões de decidir. Apesar da necessidade da manutenção da jurisprudência íntegra, estável e coerente (art. 926 do CPC), a Corte não pode criar um entendimento baseada em decisões que não analisaram tantos conceitos imprescindíveis.
Para que o TRF4 tenha a oportunidade de solucionar definitivamente a questão, com justiça e legitimidade, ele deverá se debruçar sobre todas essas questões, e, neste momento, o STJ não é o Tribunal capaz de oferecer respostas (apesar de suas funções de Corte Superior). A própria jurisprudência de segundo grau do TRF4, que vem sendo construída há uma década, e a participação democrática no incidente, serão essenciais para esse processo de fixação da tese e desenvolvimento de sua fundamentação.
4 REPERCUSSÕES DO JULGAMENTO DO INCIDENTE
4.1 A distinção (distinguishing) e superação (overruling)
A correta condução do incidente é fundamental para garantir a força vinculante do sistema de precedentes, tanto aos processos pendentes como aos processos futuros. Os reflexos negativos de vícios do procedimento podem repercutir em dois momentos: na suspensão do processo e na aplicação da tese proferida no incidente.
No caso dos processos suspensos, é possível que a parte, após receber a intimação da decisão de suspensão de seu processo, demonstre a distinção entre a questão a ser decidida em seu processo e aquela a ser decidida nos autos do incidente44. Dessa forma, caso reconhecida a distinção, que pode ser por questão jurídica ou por questão de fato, autoriza-se o prosseguimento do processo. Esse mecanismo zela pela duração razoável e pela eficiência.
Porém, considerando a ausência de delimitação fática no tema em questão, os litigantes (tanto polo ativo quanto polo passivo) não poderão exercer seu direito de ampla defesa. O próprio sistema judiciário e os demais sujeitos sofrem prejuízos com impossibilidade de garantir o tempo adequado ao processo.
Por outro lado, a distinção também produz efeitos quando da aplicação da tese do incidente. Tratando do tema, Antônio do Passo Cabral adverte que:
a solução do incidente pode também ser menos eficiente, seja porque não vislumbrou uma possibilidade decisória, seja porque, ao omitir-se sobre certos argumentos, deixa espaço para novos dissensos, podendo surgir, posteriormente, questionamentos no sentido de evitar a aplicação da decisão do incidente aos processos pendentes. Neste caso, o distinguishing teria fundamento na omissão do Tribunal julgador em considerar certos argumentos que, não debatidos, impediriam que a tese jurídica fosse aplicada porque aquele caso seria “diverso”, devendo ser apreciado à luz daqueles argumentos não analisados quando do julgamento do incidente45.
Essa distinção, que objetiva decisão judicial com conteúdo diverso daquele firmado na tese, é necessária ao processo civil, pois tem em consideração que nenhum julgamento vinculante será capaz de abarcar todos os casos. Todavia, caso ela venha a ocorrer por falta de legitimidade da tese, por omissão na apreciação de fundamentos jurídicos (no caso, parâmetro) ou por má delimitação do cenário fático, o que haverá é apenas um retrabalho das instâncias judiciárias. Não haverá força vinculante e nem mesmo um bom gerenciamento do passivo.
Por fim, a falta de legitimidade também abre espaço para enfrentamentos diretos da tese46, que podem ocorrer por meio do overruling. Nesse cenário, podem ocorrer novas suscitações do incidente com o mesmo conteúdo ou tentativa de utilização de outras técnicas de julgamento para superar a tese, como por exemplo o julgamento de repetitivos no STJ e STF. Em síntese, “é alto o risco de posteriores decisões afastando a aplicação do julgamento-paradigma em razão do distinguishing ou overruling”47.
4.2 A suspensão/sobrestamento
Após admitido o incidente, os processos em primeira e segunda instância que versam sobre a mesma questão devem ser sobrestados, normalmente pelo prazo de 01 (um) ano. Nesse cenário, além da distinção, para prosseguir a tramitação, outras técnicas podem ser utilizadas, como o prosseguimento parcial48 e o prosseguimento de atos processuais independentes49.
No primeiro caso, admite-se que caso existam mais pedidos, o processo possa seguir em relação àquele(s) distinto(s) do objeto do incidente. No caso da usurpação mineral, poderia ser o prosseguimento do pedido de dano moral, de reparação do dano ambiental, dentre outros.
No segundo caso, “trata-se da prática de todos os atos processuais que sejam independentes em relação à definição da questão controvertida, adiantando a marcha processual enquanto não há definição da tese” 50. No caso da usurpação, nada impede que os processos sigam tramitando caso seja necessária alguma prova pericial (como normalmente o é). O que se pretende apurar é o volume, sendo possível que, posteriormente, calcule-se a indenização a partir do laudo com base na tese fixada no incidente.
Admite-se também a produção de efeitos das tutelas eventualmente deferidas nos autos do processo suspenso, isso porque a questão a ser decidida no incidente não tem relação com o dever ou não de indenizar, mas sim o quantum. Dessa forma, a tutela deve ser considerada como ato independente, mas sempre a ser analisada considerando os requisitos legais, o risco para as partes e para os demais sujeitos (riscos econômicos, sociais, ambientais).
Esses mecanismos impedem a geração de prejuízos aos jurisdicionados nos processos pendentes, garantindo até mesmo maior segurança ao órgão julgador caso seja
necessário ou conveniente estender o prazo de suspensão (art. 980, parágrafo único do CPC).
4.3 A elevação da força vinculante em nível nacional
Caso julgado o mérito e fixada a tese pelo TRF4, é possível que o incidente seja objeto de recurso extraordinário ou recurso especial, com o objetivo de uniformizar a questão em nível nacional (art. 987 do CPC). Nessa hipótese, a força vinculante seria irradiada para todos os demais Tribunais Regionais Federais e todos os processos desses tribunais também devem ser suspensos. Destaca-se, ainda, que a suspensão vigoraria até o julgamento do recurso51.
Os riscos contidos na condução e gerenciamento de um incidente de resolução de demandas repetitivas são ainda maiores em um cenário como esse. O Código de Processo Civil ofereceu técnicas para mitigar a insegurança jurídica e garantir uma unidade ao direito, mas para isso, é necessário que as garantias processuais sejam exercidas pelo órgão jurisdicional.
5 CONCLUSÃO
A suscitação do incidente de resolução de demandas repetitivas para uniformizar os parâmetros de condenação era imprescindível para todo o sistema judiciário. A iniciativa ocorrida no TRF4 tem potencial para oferecer segurança jurídica e isonomia.
Ainda que a maior divergência entre os Tribunais ocorra entre adotar o “faturamento” ou “50% do faturamento”, outros 10 (dez) parâmetros de indenização podem ser encontrados na jurisprudência.
Ocorre que, para atingir essa finalidade e solucionar a controvérsia, a decisão a ser proferida pelo TRF4 deve ser justa e legítima. No tema nº 27 suscitado pela União há vícios na escolha da causa-piloto, na delimitação do cenário fático, na publicidade e no contraditório do incidente. Em relação à questão jurídica suscitada, o próprio órgão julgador a delimitou adequadamente na decisão de admissibilidade, impedindo a ocorrência de novo vício.
Para condução do incidente ao julgamento, outras medidas de gerenciamento podem ser adotadas, como o proferimento de uma decisão de organização, a delimitação das questões fáticas sobre as quais incidirá a tese (tendo em conta os pressupostos da responsabilidade civil) e a utilização de diversos meios de publicidade.
A mais relevante delas, a participação democrática, poderá ocorrer mediante intervenção espontânea de terceiros (a partir da devida publicidade) ou provocada (a partir de intimações de sujeitos capazes de contribuir ao debate). Destaca-se, também, a fundamental relevância da participação da ANM, dotada de interesse e utilidade para intervir.
Em relação ao julgamento do mérito, a jurisprudência do STJ não se mostra adequada para servir de amparo ao órgão julgador do TRF4, haja vista os graves vícios de fundamentação. Para a fixação da tese, é necessário definir o regime jurídico do patrimônio mineral (evitando-se qualquer espécie de enriquecimento sem causa) e distinguir a recomposição patrimonial das funções do dano moral, atribuindo a ele qualquer caráter pedagógico-punitivo.
Caso a tese enfrente problemas de legitimidade ou as questões fáticas não sejam delimitadas, existem riscos à ampla defesa dos jurisdicionados (não serão capazes de realizar o distinguishing) e à eficácia dos precedentes (poderão ser objeto de overruling). Esses riscos são ainda maiores caso a questão seja elevada para o nível nacional.
Por fim, a suspensão dos processos individuais não gera prejuízos aos jurisdicionados, haja vista a possibilidade de utilização de mecanismos para conduzir parcialmente as demandas, prosseguir com atos processuais independentes e analisar pedidos de tutela.
1 Artigo submetido em 14-04-2022 e aprovado em 23-08-2022.
2 Graduado em Direito pela UFMG; Mestrando em Processo Civil pela UFMG; Pós-Graduando em Agronegócios pela USP/Esalq; Membro do Grupo de Pesquisa e Extensão no CNPq: “Observatório do Judiciário”; Advogado. E-mail: otaviovilela1@gmail.com.
3 Doutoranda em Direito pela UFMG; Mestra em Direito pela UFOP; Graduada em Direito pela UFMG; Pós-graduada em Direito Público pela PUC MINAS; Especialista em Direito Minerário pelo CEDIN; Membro do Grupo de Pesquisa no CNPq: “Direito e Processo Coletivo: Análise Sistêmica e Estrutural”. Diretora Administrativa do Instituto Brasileiro de Direito Minerário – IBDM. Advogada Coordenadora das áreas de Contencioso Estratégico e Fundiário no William Freire Advogados Associados. Professora Universitária. E-mail: ana@williamfreire.com.br
4 Ao menos dois momentos da utilização de um IRDR são bastante críticos em termos de acesso à justiça. O primeiro é o exame de admissibilidade – mais especificamente, o processo de escolha do caso em que será discutida a tese – , com impacto significativo na delimitação da questão jurídica e na formação do contraditório. O segundo momento é a abertura do procedimento para participação de interessados (SILVA, Paulo Eduardo Alves da; CARVALHO, Natália Batagim de. O ‘grande jogador”: como atua o judiciário na administração da litigiosidade repetitiva. Revista de Direito Brasileira, Florianópolis, v. 28, n. 1, jan./abr. 2021, p. 300-321).
5 Ver: REIS, Émilien Vilas Boas; GUSMÃO, Leonardo Cordeiro de. Participação Democrática em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR): uma análise a partir de IRDR suscitado pela Samarco. Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva, Belo Horizonte, n.38, p.83- 106, maio/ago. 2019.
6 KOKKE, Marcelo; GOMES, Nathan. Usurpação Mineral e Tutela Ambiental. Revista de Direito Público, v. 12, n. 3, p. 58-84, dez. 2017
7 MARTINS, Valkiria Silva Santos. Usurpação mineral e defesa do patrimônio público. Revista Jus Navigandi, ano 17, n. 3156, fev. 2012.
8 KOKKE; GOMES, Op. cit., 2017.
9 MATTOS, Tiago de; DAMASCENO, Ana Maria. Reflexões sobre a recomposição patrimonial da União nas ações civis públicas de usurpação mineral. Revista de Direito Administrativo Contemporâneo, São Paulo, v. 27, n. 1, nov./dez. 2016.
10 Sobre essa conduta, Marcelo Sarsur e Isolda Lins Ribeiro destacam que “para que se compreenda adequadamente as regras pertinentes à produção dos bens e à exploração das matérias-primas pertencentes à União, faz-se necessário o recurso às normas (legais e infralegais) de outros ramos da ordem jurídica. Trata-se, portanto, de norma penal em branco, que demanda outras fontes para que se compreenda o real conteúdo do preceito penal” (RIBEIRO, Isolda Lins; SARSUR, Marcelo. O crime de usurpação de patrimônio público na jurisprudência dos tribunais superiores. In: AZEVEDO, M.; CASTRO JR., P. H.; DE MATTOS, T., FREIRE, W. Direito da mineração. Belo Horizonte: D’Plácido, 2017, p. 453-472). Dessa forma, é necessária a compreensão do arcabouçou normativo em sua plenitude para investigar se a produção/exploração ocorreu conforme a legalidade.
11 Tanto o artigo 2º da Lei Federal nº 8.176 de 1991, quanto o artigo 55 da Lei de Crimes Ambientais (Lei Federal nº 9.605 de 1998), disciplinam a questão. Não é objeto do trabalho aprofundar a análise da responsabilidade penal e do entendimento acerca do concurso formal de crimes. Sobre o tema, ver: KOKKE; GOMES, Op. cit., 2017; e RIBEIRO; SARSUR, Op. cit., 2017.
12 “mesmo que se tenha uma infração de usurpação mineral, cuja tutela possui por foco o patrimônio minerário, não há impedimento de produção de efeitos de responsabilidade ambiental. A decisão judicial de usurpação mineral acarreta implicações de reparação da área degradada ou atingida com a exploração, inclusive quanto a atividades como descomissionamento e fechamento de mina, além de responsabilidade de elaboração e execução de plano de recuperação de área degradada” (KOKKE; GOMES, Op. cit., 2017).
13 A divergência sobre a adequação ou não desse procedimento logo foi superada, prevalecendo entendimento jurisprudencial pela adequação. Sobre o tema, ver: SANTOS, Thiago Passos de Castro e. A ação civil pública como a via processual adequada para o exercício da pretensão de reparação civil pelos danos decorrentes da prática de usurpação mineral. Orientadora: Renata Christiana Vieira Maia. 42 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Grau de Bacharel em Direito) – Curso de Graduação em Direito, Departamento de Direito e Processo Civil e Comercial, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. 2018; VERAS, Diego Viegas. Inadequação do manejo de ação civil pública em matéria ambiental apenas para cobrança/indenização referente a valores pretéritos. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 60, jun. 2014.
14 MARTINS, op. cit., 2012.
15 Autorização, em caráter excepcional, para a extração de determinadas substâncias antes da outorga de concessão de lavra, a ser emitida pela ANM, observada a legislação ambiental pertinente. Ver: https://www.gov.br/anm/pt-br/acesso-a-informacao/perguntas-frequentes/guia-de-utilizacao. Acesso em: 25 jul. 2022.
16 Trata-se exclusivamente de Tribunais Regionais Federais e Cortes Superiores (STJ e STF), haja vista a competência federal da ação por força do artigo 109, I da CR/88.
17 WILLIAM FREIRE ADVOGADOS ASSOCIADOS. Ações Civis Públicas por lavra ilegal. Tendências jurisprudenciais. Disponível em: https://52.44.105.13/wp-content/uploads/2020/01/070120-Memorando- Valor-Indenização-Usurpação-Mineral-VF2.pdf. Acesso em: 25 jul. 2022.
18 DIDIER Jr., Fredie; TEMER, Sofia Orberg. A decisão de organização do incidente de resolução de demandas repetitivas: importância, conteúdo e o papel do regimento interno do tribunal. Revista de Processo, vol. 258, p. 257/278, ago. 2016.
19 GONCALVES, Gláucio Maciel; DUTRA, Victor Barbosa. Apontamentos sobre o novo incidente de resolução de demandas repetitivas do Código de Processo Civil de 2015. Revista de Informação Legislativa, v. 208, p. 189-202, 2015.
20 A numeração em temas é uma forma de organização dos IRDR’s pelos Tribunais e pelo CNJ.
21 CABRAL, Antonio do Passo. A escolha da causa-piloto nos incidentes de resolução de processos repetitivos. Revista de Processo, vol. 231, maio/2014.
22 Ibidem.
23 Op. cit, 2021.
24 Sobre o tema, veja o trecho da obra de Marc Galanter (edição em português – FGV), precursor do tema, que contém a explicação acerca dos “participantes eventuais” e “jogadores habituais”: em razão de diferenças em seus tamanhos, no estado do direito e em seus recursos, alguns dos atores na sociedade têm muitas oportunidades para utilizar os tribunais (no sentido amplo) para apresentar (ou se defender de) reclamações, enquanto outros fazem isso apenas raramente. Podemos dividir esses atores entre aqueles que recorrem aos tribunais apenas ocasionalmente (participantes eventuais ou PEs) e aqueles jogadores habituais (JHs), que se envolvem em várias litigâncias similares ao longo do tempo. O cônjuge em um caso de divórcio, o requerente por acidente de trânsito, o acusado criminalmente são PEs; a empresa de seguros, o promotor de justiça, a empresa financeira são JHs (GALANTER, 2018, p. 45-46).
25 Defendido por Sofia Temer para permitir aplicação sistematizada entre os artigos do julgamento dos recursos repetitivos e do IRDR.
26 DIDIER, TEMER, op. cit., 2015.
27 DIDIER, TEMER, op. cit., 2016.
28 GONÇALVES, DUTRA, op. cit., 2015.
29 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4º Região. Terceira Turma. Apelação Cível nº 5006053- 13.2013.4.04.7208. Relatora: Ministra Vânia Hack de Almeida. Porto Alegre, 23 de ago. de 2018.
30 Op. cit., 2014.
31 DIDIER, TEMER, op. cit., 2016. No mesmo sentido, Leonardo Greco: se a tese for relativa à prestação de serviço público concedido, permitido ou autorizado, deverá o tribunal ouvir o órgão público competente pela fiscalização do respectivo serviço (GRECO, Leonardo apud DIDIER, TEMER, 2016).
32 Sobre o tema: VILELA, Otávio. O interesse e a utilidade da participação das agências reguladoras nas ações coletivas: análise dos projetos de lei 4.441/2020, 4.778/2020 e 1.641/2021. Orientadora: Juliana Cordeiro Faria. 60 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Grau de Bacharel em Direito) – Curso de Graduação em Direito, Departamento de Direito e Processo Civil e Comercial, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. 2021.
33 Vetores propostos por Sofia Temer (TEMER, Sofia. Participação no processo civil: repensando litisconsórcio, intervenção de terceiros e outras formas de atuação. 1. ed. Salvador: JusPodivm, 2020).
34 DIDIER, TEMER, op. cit., 2016.
35 Ibidem.
36 Sofia Temer e Fredie Didier esclarecem as formas pelas quais essa participação pode ocorrer: (i) a requisição de informações aos órgãos em que tramitem processos nos quais haja a controvérsia afetada (art. 982, II, do CPC/2015, os quais poderão remeter cópias de petições, decisões judiciais e outras informações relevantes; (ii) a intimação do Ministério Público para manifestar-se (art. 982, III), a qual deverá ser obrigatória, considerando sua função de fiscal da ordem jurídica, (iii) a solicitação de manifestação de pessoas, orgãos ou entidades com interesse na controvérsia (os amici curiae) – arts. 983 e 1.038, I, do CPC/2015; (iv) a designação de audiências públicas (arts. 983, § 1.º e 1.038, II, CPC/2015) (op. cit., 2016).
37 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Segunda Turma. Agravo em Recurso Especial nº 1.470.017/SP (2195897-73.2016.8.26.0000). Relator: Ministro Francisco Falcão. Brasília, 18 de out. de 2019.
38 VERAS, op. cit., 2014.
39 MARTINS, op. cit., 2012.
40 MATTOS; DAMASCENO, op. cit., 2016.
41 “caso se aceitasse a legitimidade de a União postular por meio da ação civil pública a indenização tendo como parâmetro o resultado comercial do produto mineral, o proveito econômico da demanda deveria obrigatoriamente ir para o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (art. 13 da Lei nº 7.347/85), tendo em vista que, nesse caso, o Ente Federal atuaria como legitimado concorrente de tutela ambiental (responsabilidade civil ambiental). Ou seja, o valor indenizatório de cunho reparatório/compensatório ambiental jamais integraria a receita corrente da União na forma do art. 11 da Lei nº 4.320/64, razão pela qual não poderia ser visto como legitimado exclusivo para fins de indenização” (VERAS, op. cit., 2014). 42 “A quem diga que, caso seguida a tese exposta, o minerador que possui título de lavra, deverá também ressarcir a União pelo estéril, pois paga impostos somente sobre o comercializado. Todavia, há de se considerar que o minerador lícito possui tratamento previsto no ordenamento jurídico, não devendo ser tratado, em momento algum, como o irregular. O “minerador legal” apresenta um plano de aproveitamento econômico da jazida, que é necessariamente aprovado pelo DNPM (art. 22, V e 30 do Código de Minas). O plano de aproveitamento aprovado prevê o percentual de aproveitamento do minério” (MARTINS, op. cit., 2012).
43 “O precedente acima é elucidativo porque expõe a impossibilidade de se aplicar a tese dos danos punitivos para sancionar civilmente o agente em qualquer situação geradora de dano, seja porque não é na esfera civil de responsabilização que a punição deve ocorrer (ou se estaria diante de evidente bis in idem) ou, ainda, porque o ordenamento jurídico brasileiro não previu a excepcionalidade, não cabendo ao Judiciário legislar” (MATTOS; DAMASCENO, op. cit., 2016).
44 “O direito à distinção (arts. 1.037, §§ 8.º a 13, CPC (LGL\2015\1656), aplicáveis ao IRDR por força do microssistema), para fim de requerer a retirada do caso do sobrestamento, somente poderá ser exercido adequadamente se houver uma decisão bem delimitada que possa ser utilizada como paradigma” (DIDIER, TEMER, op. cit., 2016).
45 CABRAL, op. cit., 2014.
46 Até mesmo sob uma ótica gerencial a falta de controle sobre a representatividade adequada pode ter o condão de colocar em risco a estabilidade do sistema, na medida em que qualquer novo processo que verse sobre a questão pode trazer argumentos capazes de superar aquele considerado pelo órgão julgador (SILVA; CARVALHO, op. cit., 2021).
47 CABRAL, op. cit., 2014.
48 TEMER, Sofia. Incidente de resolução de demandas repetitivas. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 123.
49 DIDIDER, TEMER, op. cit., 2016.
50 Ibidem.
51 (…) 4. Além disso, há previsão expressa, nos §§1º e 2º do art. 987 do CPC, de que os recursos extraordinário e especial contra acórdão que julga o incidente em questão têm efeito suspensivo automático (ope legis), bem como de que a tese jurídica adotada pelo STJ ou pelo STF será aplicada, no território nacional, a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito. (…) 7. Ademais, com a manutenção da suspensão dos processos pendentes até o julgamento dos recursos pelos tribunais superiores, assegura-se a homogeneização das decisões judiciais sobre casos semelhantes, garantindo-se a segurança jurídica e a isonomia de tratamento dos jurisdicionados. Impede- se, assim, a existência – e eventual trânsito em julgado – de julgamentos conflitantes, com evidente quebra de isonomia, em caso de provimento do REsp ou RE interposto contra o julgamento do IRDR. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Segunda Turma. Recurso Especial nº 1.869.867/SC (0301613- 11.2016.8.24.0023). Relator: Ministro Og Fernandes. Brasília, 03 de mai. de 2015)
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Procuradoria Federal do DNPM. Regime jurídico dos rejeitos e de outros materiais descartados durante o processo de lavra mineral. Parecer 46/2012/FM/PROGE/DNPM de 02 de mar. de 2012. Lavra: Frederico Munia Machado. Disponível em: http://anexosportal.datalegis.net/arquivos/1453639.pdf. Acesso em: 25 jul. 2022.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Segunda Turma. Agravo em Recurso Especial nº 1.470.017/SP (2195897-73.2016.8.26.0000). Relator: Ministro Francisco Falcão. Brasília, 18 de out. de 2019.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Segunda Turma. Recurso Especial nº 1.869.867/SC (0301613-11.2016.8.24.0023). Relator: Ministro Og Fernandes. Brasília, 03 de mai. de 2015.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Terceira Turma. Recurso Especial nº 1.502.967/RS (0107885-78.2014.8.21.7000). Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Brasília, 14 de ago. de 2018.
BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Segunda Seção Cível. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 1.0273.16.000131-2/001. Relator: Desembargador Amauri Pinto Ferreira. Belo Horizonte, 10 de dez. de 2019.
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