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Inabilitação do minerador no processo de disponibilidade por motivos formalistas e não previstos em norma que rege o procedimento é considerada ilegal

As inabilitações das empresas mineradoras pela Agência Nacional de Mineração por aspectos formalistas vêm sendo recorrentes no âmbito administrativo, ensejando a tomada de providências – na maior parte das vezes, em caráter de urgência – pelo empreendedor a fim de obstar o curso do processo de disponibilidade, evitando a arrematação da área disputada por outrem ou mesmo o avanço do processo.

Entre os muitos motivos apresentados pela ANM quando das decisões de inabilitação, estão: assinatura do Responsável Técnico no Plano de Pesquisa distinta daquela utilizada em seus documentos particulares de identificação; ausência de documento pessoal do representante da empresa; ausência de elementos de identificação na ART que acompanha o Plano de Pesquisa, tais como menção ao número do processo, número do edital, etc.

Recentemente, o departamento de Contencioso Estratégico do William Freire Advogados obteve êxito junto à Justiça Federal do Distrito Federal na suspensão provisória do curso do processo de disponibilidade que havia inabilitado empresa mineradora em razão de questões formais.

Na sequência, a ANM foi oficiada com urgência e suspendeu o curso do processo administrativo, o que evitou a outorga de Alvará de Pesquisa à empresa tida então por vencedora no certame.

Não é óbvio dizer que as formas, no processo administrativo, devem ser aplicadas apenas de forma suficiente para proporcionar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados, não podendo ser óbice à consecução do interesse público, objetivo da Administração.

Mas, para além do princípio do formalismo moderado, que deve nortear as decisões da Administração Pública de modo geral, esse tipo de situação envolve a discussão de questões importantes ao minerador.

A questão central de maior relevância, ao nosso ver, gira em torno da ausência de fundamento normativo que legitime a ANM a adotar medida excessiva que inabilita o participante por motivos não previstos em lei ou norma específica. Esse fato, por si só, nos permite opinar pela liquidez e certeza de um direito demasiado simples: se a norma de regência do processo de disponibilidade não prevê as hipóteses formalistas – e por que não dizer absurdas – que comumente vem sendo eleitas pela Agência para inabilitar a parte, então é direito da parte o prosseguimento no processo, não cabendo falar em inabilitação.

As decisões administrativas devem ser fundamentadas e devem observar entre muitos princípios, o da legalidade, sendo possível reputar ilegal a decisão que inabilita a parte sem fundamento na norma específica aplicável, além de gerar imensa insegurança jurídica aos participantes do certame. Afinal, criam-se critérios desclassificatórios que fogem do campo de previsão dos participantes, gerando uma gama de possibilidades inimagináveis e colocando o administrado em sua situação de incerteza.

Não nos parece possível também que outros dispositivos fora do que está disposto na norma de regência da ANM do processo específico de disponibilidade sejam utilizados como fundamento para restringir a participação da empresa na disponibilidade.

Por isso é que se defende pela possibilidade de afastar a aplicação da Lei de Licitações ao procedimento de disponibilidade, uma vez que essa lei, além de nada dispor sobre o procedimento de disponibilidade, geralmente sequer é citada nos Editais de disponibilidade publicados pela ANM.

Os processos de disponibilidade se regem mormente por Portarias próprias da ANM e os Editais refletem esses diplomas, de modo que são essas normas minerárias específicas que devem ser levadas em consideração sobremaneira quando das analises de habilitação das partes pela Comissão Julgadora.

Embora a Lei de Licitações não se aplique ao caso objetivamente, os princípios deduzidos da Lei e utilizados nos processos licitatórios sobre a necessidade de vinculação ao instrumento convocatório para gerar segurança jurídica é de fundamental observação.

Inclusive, o Judiciário já se posicionou inúmeras vezes a respeito, como, por exemplo:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. LIMINAR SATISFATIVA. PERDA DO OBJETO NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. EXIGÊNCIA NÃO PREVISTA EM EDITAL. INABILITAÇÃO DE CONCORRENTE EM CERTAME LICITATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. COMPROVAÇÃO DA CAPACIDADE TÉCNICA. SENTENÇA MANTIDA. I – O só cumprimento de medida liminar satisfativa não conduz à perda superveniente do objeto do mandado de segurança, devendo ser confirmado, por provimento definitivo, o decisum que assegurou a participação das impetrantes no certame. II – A exigência não prevista em edital não pode ensejar a inabilitação das impetrantes, que, ademais, comprovaram a prestação do serviço objeto do certame. Princípio da vinculação ao instrumento convocatório. III – Remessa oficial a que se nega provimento. (TRF-1 – AMS: 00406271720104013400, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, Data de Julgamento: 16/03/2020, SEXTA TURMA, Data de Publicação: 08/05/2020)

ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONCURSO PÚBLICO. MÉDICO. ESPECIALIZAÇÃO EM PSIQUIATRIA. PREVISÃO EDITALÍCIA. VINCULAÇÃO AO EDITAL. PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO AO EDITAL. AGRAVO INTERNO DO PARTICULAR DESPROVIDO. 1. O aresto recorrido asseverou que o Edital fez exigência, além do diploma de curso superior de graduação de Medicina, a comprovação de especialização na área de Psiquiatria. 2. A jurisprudência do STJ é a de que o Edital é a lei do concurso, pois suas regras vinculam tanto a Administração quanto os candidatos. Assim, o procedimento do concurso público fica resguardado pelo princípio da vinculação ao edital. 3. Agravo Interno do Particular desprovido. (STJ – AgInt no AREsp: 1024837 SE 2016/0315078-7, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 18/02/2019, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: REPDJe 26/02/2019 DJe 25/02/2019)

Concordamos que o Edital publicado pela ANM em cada certame deve ser a bússola do procedimento de disponibilidade, e os próprios Editais preveem as normas específicas da ANM que nortearão o procedimento.  Desse modo, exigências que não estão previstas no instrumento convocatório ou em eventuais legislações específicas diretamente aplicáveis, devem ser tidas por descabidas, legitimando uma ação por parte do minerador prejudicado.

                         Feitas essas considerações jurídicas, cabe-nos a alisar como a própria ANM vem se posicionando por meio das decisões de sua Diretoria Colegiada.

                         Tivemos acesso a alguns votos do Diretor Geral Mauro Henrique Moreira Sousa, que se posicionou com o mesmo racional acima descrito em decisões nos processos de disponibilidade que discutiam as habilitações de empresas. Citemos três deles[1]:

 

“a Lei Federal nº 8.666/1993 deve ser utilizada especialmente como parâmetro no que tange aos seus princípios, e não, como regra objetiva para decisão uma vez que que há norma específica aplicada ao caso concreto, qual seja: Código de Mineração e legislação correlata […] Ou seja, trata-se de procedimento licitatório específico e definido em Lei própria, inexistindo lacuna normativa quanto aos procedimentos de disponibilidade, os quais deveriam seguir as diretrizes trazidas na Portaria nº 268/2008, em decorrência do próprio Código de Mineração e não, a Lei nº 8666/1993. Entende-se que a aplicação subsidiária deve ser considerada apenas nos casos em que não houver instrumento normativo que regule o processo licitatório, não podendo ser empregada para substituir norma já existente sobre o mesmo caso […]Nota-se que não consta na Portaria DNPM nº 268/2008 a exigência de que os formulários a serem apresentados nos procedimentos de disponibilidade tenham firma reconhecida ou que, o documento de identidade pessoal dos signatários tenha que estar incluído no envelope lacrado. Ou seja, tais obrigações não constam do instrumento normativo que regula o procedimento de disponibilidade, sendo inovação trazida pela comissão de disponibilidade à revelia da Norma, logo o argumento permissa vênia merece ser rechaçado […] Assim, não cabe aplicar a Lei nº 8666/1993 para o procedimento de habilitação de disponibilidade, visto que o assunto possui regulamentação própria no artigo 20 da Portaria DNPM nº 268/2008, e os documentos obrigatórios estão indicados nos artigos 32, 35 ou 38 da Norma […] Mais grave ainda é a premissa de que a Comissão Julgadora poderia fazer juízo de admissibilidade a partir de confronto dos documentos, verificando duas assinaturas e comparando-as para atestar que foram emitidas por uma mesma pessoa. A Agência Nacional de Mineração não possui competência legal ou capacidade técnica para executar avaliação grafotécnica de documentos, a qual, quando necessária, deve ser providenciada junto ao órgão pericial competente. In casu, a ANM deve se limitar em avaliar se o signatário do requerimento está devidamente identificado no documento assinado e se possui autorização do interessado para representá-lo no processo”

“Como já exposto pela Comissão de Disponibilidade na análise do recurso e repetido no Voto do Relator original, não é possível a formulação de exigências ou complementação de documentos para instrução das propostas de disponibilidade, obedecendo ao art. 18 da Portaria DNPM nº 268/2008. Assim, todas as análises devem ser efetuadas com base na documentação apresentada pelos interessados e juntadas nos respectivos envelopes lacrados. Tal vedação, inclusive, impossibilita a consulta externa para identificação da competência legal dos envolvidos no procedimento de disponibilidade”

 

“Assim, a manifestação exarada pela PFE é no sentido de que: I – Não há amparo jurídico para se considerar inidônea a ART desprovida elementos descritivos não indicados de forma expressa no edital (…) II – A ausência de assinatura no plano de pesquisa, por si só, não é causa de inabilitação, especialmente por tratar-se de peça acompanhada de outros documentos subscritos pelo interessado e pelo responsável técnico (…) III – Também não deve levar à inabilitação da proponente a não apresentação de documento que permita a verificação da autenticidade da assinatura de seu procurador no requerimento de disponibilidade, principalmente quando, como ocorre no caso em análise, nenhuma previsão nesse sentido havia no edital ou na norma de regência da disponibilidade. Ao final, o Parecer XXXX, com o qual concordo em sua plenitude, opina no sentido de reformar a decisão recorrida, de forma a considerar habilitadas as duas empresas que compareceram ao certame e determinar nova análise das propostas por comissão designada de acordo com as normas relacionadas”

Os votos em questão parecem-nos estar em perfeita harmonia com os princípios da razoabilidade, proporcionalidade, formalismo moderado e legalidade, observando também a lei de processos administrativos e dos dispositivos dos próprios editais convocatórios que, embora guardem distinções uns dos outros, possuem basicamente o mesmo formato e conteúdo geral.

Contudo, temos observado posicionamentos opostos pela Diretoria de modo geral que vem sendo maioria, justificando a judicialização da questão por muitos mineradores com base nos fundamentos tratados anteriormente.

O William Freire Advogados tem a satisfação de poder atuar de forma assertiva perante a ANM e o Judiciário buscando decisões equalizadas do ponto de vista de princípios, normas e jurisprudência, e fica à disposição para maiores esclarecimentos sobre o assunto.

Belo Horizonte, 22 de março de 2024.

Luciana Gomez


[1] A fim de resguardar eventuais situações de sigilo e concorrência, optamos por omitir os números dos processos administrativos a que os votos se referem, bem como as partes envolvidas.

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