Em 01.07.2024 foi publicada a Lei nº 14.905/2024, que modificou significativamente alguns dispositivos do Código Civil, especificamente aqueles que disciplinam a correção monetária e os juros moratórios incidentes nas relações cíveis, e, além de definir a não aplicação da Lei de Usura (Decreto nº 22.626/1933) à determinadas obrigações, padronizou a utilização do(a):
- Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para a atualização monetária nos casos em que não haja convenção entre as partes ou previsão legal (art. 389);
- Taxa Selic, deduzindo-se a respectiva correção monetária, como índice de juros moratórios, na ausência de convenção contratual e previsão normativa.
Portanto, dada a relevância da alteração normativa, a seguir, a equipe de Resolução de Disputas do Escritório William Freire Advogados Associados elencou as principais alterações promovidas pela Lei 14.905/2024 e o impacto dessas mudanças.
Redação antiga | Redação após a publicação da Lei 14.905/2024 | |||||
“Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.” | “Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros, atualização monetária e honorários de advogado. Parágrafo único. Na hipótese de o índice de atualização monetária não ter sido convencionado ou não estar previsto em lei específica, será aplicada a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apurado e divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou do índice que vier a substituí-lo. | |||||
“Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.” | Art. 406. Quando não forem convencionados, ou quando o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, os juros serão fixados de acordo com a taxa legal. § 1º A taxa legal corresponderá à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), deduzido o índice de atualização monetária de que trata o parágrafo único do art. 389 deste Código. § 2º A metodologia de cálculo da taxa legal e sua forma de aplicação serão definidas pelo Conselho Monetário Nacional e divulgadas pelo Banco Central do Brasil. § 3º Caso a taxa legal apresente resultado negativo, este será considerado igual a 0 (zero) para efeito de cálculo dos juros no período de referência.” | |||||
“Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual” | Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros. Parágrafo único. Se a taxa de juros não for pactuada, aplica-se a taxa legal prevista no art. 406 deste Código.” |
Atualização monetária e os juros moratórios
Na recente alteração promovida pela Lei nº 14.905/2024, o Código Civil passou a indicar expressamente a “taxa legal” de correção e de juros aplicáveis às relações de direito privado.
Pela nova redação dada aos arts. 389 e 406, nas hipóteses em que não for pactuado índice, ou não haver previsão legal específica, aplicar-se-á o IPCA como índice de atualização monetária e a Taxa Selic, deduzindo-se o índice de atualização monetária aplicável (já que a Selic contém elementos de juros e de correção monetária já embutidos), como base de cálculo dos juros de mora.
Já a nova redação conferida ao art. 591 excluiu as limitações de taxa de juros e sua capitalização anual, anteriormente aplicáveis aos contratos de mútuo para fins econômicos, aplicando-se a Taxa Selic na ausência de disposição contratual.
Por fim, a Lei nº 14.905/2024, em seu art. 3º, prevê, ainda, as hipóteses de não aplicação do Decreto nº 22.626/33 – Lei da Usura (que veda a cobrança da taxa de juros superior ao dobro da taxa legal e a cobrança de juros compostos), a determinadas obrigações, quais sejam:
“I – contratadas entre pessoas jurídicas;
II – representadas por títulos de crédito ou valores mobiliários;
III – contraídas perante:
a) instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil;
b) fundos ou clubes de investimento;
c) sociedades de arrendamento mercantil e empresas simples de crédito;
d) organizações da sociedade civil de interesse público de que trata a Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999, que se dedicam à concessão de crédito; ou
IV – realizadas nos mercados financeiro, de capitais ou de valores mobiliários.”
A publicação da Lei 14.905/2024 e o julgamento do REsp 1.795.982/SP
A publicação da Lei nº 14.905/2024 complementa, em partes, a recente orientação jurisprudencial firmada pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, mediante o julgamento do REsp nº 1.795.982/SP, quanto à interpretação do art. 406 do Código Civil e a atualização monetária das dívidas civis.
No REsp nº 1.795.982/SP, que aguarda o julgamento das questões de ordem suscitadas pelo ministro relator Luis Felipe Salomão, a maioria dos ministros entendeu pela aplicação da taxa Selic para a correção de dívidas civis, em detrimento do modelo de correção monetária somada a juros de mora de 1% ao mês, prevista no art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional (CTN).
Portanto, ao contrário do entendimento até então defendido pelo STJ (ampla aplicação da Selic como a taxa legal para os juros moratórios e a atualização monetária das dívidas civis), a Lei nº 14.905/2024, apesar de prever expressamente a Taxa Selic como o índice legal do art. 406, determina que a correção monetária se dê pelo IPCA.
No cenário atual, considerando a recente publicação da Lei nº 14.905/2024, definindo especificamente os índices aplicáveis às hipóteses, tanto de correção, quanto de juros, a princípio, a discussão estaria superada.
Produção dos efeitos da alteração normativa
Quanto à produção de efeitos das alterações, com exceção do § 2º do art. 406, que dispõe sobre a metodologia de cálculo da taxa legal e sua forma de aplicação a ser definida, os demais dispositivos passam a valer em 60 dias, contados da data de sua publicação, em 01/07/2024.
Reflexões adicionais sobre a uniformização dos juros e correção monetária
Sem prejuízo das discussões sobre as diversas questões afetas ao direito financeiro, apesar de a alteração normativa representar um pequeno avanço quanto às lacunas legislativas no âmbito contratual, conferindo maior segurança jurídica e previsibilidade nas relações de direito privado, a falta de determinação sobre a metodologia de cálculo e a aplicação prática da taxa legal causa sérias incertezas de como essas mudanças afetarão os contratos e os processos judiciais em curso, o que ainda dificulta sua aplicação nos cenários concretos, especialmente em razão do fato de que a Selic, adotada apenas como base de cálculo dos juros de mora pela Lei nº 14.905/2024, também prevê elementos relacionados à correção monetária.
Especificamente sobre o setor de mineração, a alteração legislativa tem potencial para atrair inúmeras discussões. As novas diretrizes servirão de base, por exemplo, para a elaboração de contratos minerários que envolvam o ingresso e permanência do minerador no imóvel, contratos de parceria, de investimentos, operacionais e financeiros, além das próprias cláusulas penais desses instrumentos.
Daí se dá a necessidade do setor em se adequar às novas redações do diploma legal para melhor atender aos interesses das partes envolvidas, estabelecendo critérios específicos de atualização monetária e juros para o caso concreto, principalmente no período de vacatio legis, em que as discussões a respeito da adequação das disposições contratuais e as novas disposições legais tendem a gerar litígios.
A única certeza, até o momento, é que a novidade legislativa ainda trará relevantes debates, com repercussões em vários setores estratégicos da economia.
A equipe de Resolução de Disputas do Escritório William Freire Advogados Associados está à disposição para prestar quaisquer esclarecimentos sobre o tema.
Resolução de Disputas
William Freire Advogados Associados