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CSRF afasta IRRF sobre juros relativos a créditos para financiamento de exportações

A Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) afastou a incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre juros e comissões relativos a créditos obtidos no exterior destinados ao financiamento de exportações. Por meio do acórdão nº 9101-007.349, por maioria, foi provido o Recurso Especial do contribuinte que se insurgiu contra a cobrança do IRRF relativo a pagamentos ocorridos no âmbito de Contratos de Pré-Pagamento de Exportações (PPE) e Recebimento Antecipado de Exportações (RAE).

O cerne da controvérsia diz respeito a quais seriam os requisitos para a aplicação do benefício da alíquota zero previsto no art. 1º, XI, da Lei nº 9.481/97:

“Art. 1º A alíquota do imposto de renda na fonte incidente sobre os rendimentos auferidos no País, por residentes ou domiciliados no exterior, fica reduzida para zero, nas seguintes hipóteses: (…)

XI – juros e comissões relativos a créditos obtidos no exterior e destinados ao financiamento de exportações.”

A interpretação da expressão “destinados ao financiamento de exportações” é relevante, pois, caso a condição não seja cumprida, as importâncias pagas se sujeitam à incidência do IRRF à alíquota de 25%, conforme art. 9º, da Lei nº 9.779/99[1].

No caso concreto, a contribuinte celebrou contratos com parte relacionada sediada no exterior, por meio dos quais recebeu vultosos valores a título de pagamento antecipado de exportações futuras.

Segundo a Fiscalização, os valores recebidos não teriam sido utilizados para o financiamento das exportações, mas sim para (i) aporte de capital em outra empresa; (ii) aquisição e aumento de investimentos em participações societárias (realizados no mesmo dia do recebimento dos recursos captados); e (iii) um dos contratos seria de mútuo de coligada no exterior, pois as exportações não foram destinadas ao financiador. Isto é, para a Fiscalização, seria necessária identidade entre o financiador dos valores e os futuros destinatários dos bens exportados.

A demonstração da vinculação entre os recursos captados por meio dos financiamentos e as despesas realizadas se deu por registros contábeis identificados no procedimento fiscalizatório. Esses registros teriam evidenciado um processo contínuo de capitalização de investimentos que configuraria desvio de finalidade quanto ao benefício fiscal destinado ao financiamento das exportações.

Assim, para a Fiscalização haveria um vínculo direto e necessário entre os recursos recebidos e o financiamento das exportações. Como defendido pela PGFN no processo administrativo, o referido benefício fiscal seria objetivo, pois visa a fomentar a atividade exportadora, mas não subjetivo, isto é, relacionado ao contribuinte que exporta.

No curso do processo administrativo, a contribuinte não negou ter realizado tais investimentos. Todavia, comprovou não só a efetiva exportação de produtos, como também que o custo incorrido com as exportações foi superior ao valor total captado pelos financiamentos.

No CARF, foi negado provimento ao Recurso Voluntário do contribuinte. O acórdão nº 1302-004.406 acolheu as alegações fazendárias de desvio de finalidade, pois o contribuinte teria utilizado os valores captados para arcar com custos de operações societárias. Segundo o voto vencedor, ainda que a legislação não tenha disciplinado da forma devida os requisitos para fruição da alíquota zero, o contribuinte não poderia dispor livremente dos recursos captados, que deveriam ser obrigatoriamente aplicados em atividades relacionadas à exportação.

Por meio dessa constatação, o acórdão concluiu que a contribuinte teria captado recursos para fomentar a própria empresa, mas não a atividade exportadora. A aplicação do benefício, portanto, configuraria um indevido alargamento da hipótese de incidência da norma exonerativa do art. 1º, XI, da Lei nº 9.481/97. Trata-se, portanto, da adoção de um posicionamento mais formalista e rígido do benefício fiscal voltado ao incentivo e financiamento das exportações.

No Recurso Especial, conforme relatado pelo acórdão da CSRF, a contribuinte suscitou diversas razões, tais quais:

  • O enquadramento dos contratos ao regime jurídico dos PPE/RAE é de competência privativa do BACEN, não da Receita Federal;
  • O único requisito previsto na legislação é o de que os valores obtidos sejam utilizados para financiar exportações. Assim, bastaria a comprovação de que foram exportados bens cujos custos incorridos são compatíveis com os valores captados, afastando-se da posição formal adotada pela RFB;
  • O dinheiro é bem fungível que não pode ser “carimbado”, sendo irrelevante a destinação imediata dos recursos recebidos por meio dos financiamentos. Se foi financiada a exportação, pouco importa de qual conta saíram os recursos;
  • Os recursos captados podem ser livremente aplicados segundo a gestão da atividade empresária, desde que o objetivo final seja alcançado (exportações). Só há desvio de finalidade se o contribuinte não comprovar as exportações, o que não ocorreu no presente caso;
  • Por se tratar de benefício fiscal, a interpretação do dispositivo deve ser literal, não restritiva, conforme art. 111 do CTN.

O voto vencido negava provimento ao Recurso Especial, replicando toda a fundamentação do acórdão recorrido nº 1302-004.406. Sua fundamentação destacou que os valores captados foram registrados em contas transitórias e utilizados para custear as operações societárias praticadas, o que teria eliminado a possibilidade de aplicação no financiamento das exportações subsequentes.

Ao acolher as alegações da PGFN de que o benefício fiscal é objetivo e análise deve ser formal, o voto vencido afirma ser relevante a verificação de qual conta forneceu os recursos que financiaram as exportações. Isto é, o requisito para aplicação da alíquota zero seria a destinação exclusiva dos recursos captados para financiar a atividade de exportação, o que não teria sido atendido no caso. Admitir a utilização dos recursos captados para outros fins seria interpretar extensivamente o benefício fiscal, mas não de forma neutra como exige o art. 111 do CTN.

Como conclusão, se os valores captados foram destinados a outros fins, a captação dos recursos teria sido desnecessária para financiar as exportações, não se justificando a aplicação do benefício da alíquota zero.

Por sua vez, prevaleceu como voto vencedor o provimento do Recurso Especial da contribuinte. O voto reconheceu que a interpretação das normas que regulam o benefício fiscal da alíquota zero devem ser balizadas pela sua natureza extrafiscal de estímulo à atividade exportadora. Trata-se, portanto, de instrumento de política econômica para facilitar o acesso e reduzir os custos de captação de recursos para financiar essa atividade.

O principal fundamento do voto é o de que a legislação não exige a vinculação exclusiva e direta entre valores captados e financiamento da exportação. Uma vez recebido, o dinheiro, por ser bem fungível, perde sua individualidade e não pode ser “carimbado”, inexistindo previsão de sua manutenção em conta específica para aplicação direta nas atividades voltadas à exportação. É pertinente a observação do voto de que essa exigência é inviável dentro do fluxo financeiro das empresas, em especial, de grandes companhias.

Por ser um benefício destinado a financiar as exportações, o voto alega que o único requisito para a aplicação da alíquota zero seria a demonstração de que, durante a vigência dos contratos de financiamento, foram praticadas exportações em volume condizente com as captações. Essa demonstração comprova que o objetivo da norma foi atingido, ainda que os recursos tenham transitado por outras contas contábeis.

Por fim, ainda reconhece que a legislação não exige a identidade entre o financiador das exportações e o importador dos bens, validando o financiamento realizado por terceiros, como no caso concreto examinado.

O voto vencedor conferiu a melhor solução jurídica ao caso.

É inquestionável que a legislação não prevê como requisito que o mesmo valor captado seja diretamente vinculado ao dispêndio com a atividade de exportação. A redação do art. 1º, XI da Lei nº 9.481/97 é aberta, exigindo de forma ampla que o crédito seja destinado ao financiamento da exportação.

No parágrafo único do art. 1º, a Lei nº 9.481/97 delega ao Poder Executivo a regulamentação das condições, formas e prazos. Segundo a Portaria do Ministério da Fazenda nº 70/1997, que dispõe sobre as condições para a aplicação da alíquota zero, a aplicação do montante captado não foi “carimbada”. A Portaria exige a comprovação da aplicação de recursos para o financiamento das exportações, inclusive delegando aos bancos a responsabilidade de comprovação “mediante confronto dos pertinentes saldos contábeis globais diários”, em procedimento a ser regulado pelo Bacen.

Na mesma linha, a Receita Federal editou a Instrução Normativa RFB nº 1.455/14, que também não criou tal requisito. Conforme art. 12 e parágrafos, a IN apenas prevê que os valores captados devem efetivamente financiar as exportações[2], cabendo à instituição financeira o arquivamento dos documentos que comprovam as transações.

A exigência de que os valores sejam efetivamente utilizados para financiar as exportações não se confunde com a destinação exclusiva e “carimbada” dos valores captados para essa atividade. Por “efetivamente”, deve-se comprovar que, no período de vigência dos contratos, o contribuinte praticou ou investiu nas atividades de exportação montante compatível com os valores captados.

Caso a intenção do legislador fosse “carimbar” os valores captados, poderia tê-lo feito, a exemplo das receitas de subvenções para investimento, conforme paralelo traçado nos próprios acórdãos administrativos. No caso das subvenções, o legislador expressamente determinou a destinação das receitas para conta de reserva de lucros, nos termos do então vigente art. 30, da Lei nº 12.973/14. Já nos contratos para financiamento das exportações, inexiste exigência semelhante.

Por isso, diante da ausência de previsão legal do requisito de “carimbo” do dinheiro captado, o benefício fiscal da alíquota zero deve ser interpretado de forma literal, conforme prevê o art. 111, do CTN. Interpretação literal não se confunde com interpretação restritiva, que ocorreria caso o benefício fosse restringido pela aplicação de uma condição não prevista na lei.

Ainda que se adote os outros métodos típicos de interpretação, a conclusão é a mesma. Pelo método histórico, nem a evolução legislativa nem a sucessiva edição de atos regulamentares pela PGFN, RFB e Bacen jamais previram tal requisito. Pelo método sistemático, a exportação é atividade bastante incentivada, inclusive em previsões constitucionais, não sendo rara a utilização de normas tributárias com a finalidade extrafiscal de fomentá-la. Além disso, como citado, há exemplos de que o legislador criou expressamente o requisito de reserva de valores em situações similares.

Finalmente, pelo método teleológico, não há dúvidas de que a finalidade da norma é facilitar o acesso e reduzir os custos de captação de recursos para o financiamento das exportações. Nesse sentido, o que se deve verificar é se, no período abarcado e pelo conjunto de operações praticadas pela empresa, a atividade de exportação foi incentivada. O fomento à atividade não depende exclusivamente da aplicação do dinheiro captado “carimbado”, devendo-se avaliar se efetivamente foram praticadas exportações em volume condizente com o investimento recebido.

Ainda que não se trate de uma espécie de norma tributária imunizante, é importante lembrar da histórica jurisprudência do STF que é firme no sentido de que as normas que incentivam as exportações devem, sempre que possível, ser interpretadas de forma generosa. Esse método interpretativo tem a finalidade de viabilizar as exportações, que é instrumento essencial do desenvolvimento nacional (art. 3º, II da Constituição).

Trata-se de analisar não a “foto” do momento do recebimento dos valores captados, mas sim o “filme” das operações praticadas pela empresa durante o período de vigência. Uma vez comprovada a prática de exportações em valores compatíveis, resta devidamente atendida a finalidade do benefício.

Nesse cenário, é relevante a constatação da fungibilidade do dinheiro. Se atividade de exportação foi devidamente fomentada e praticada, pouco importa a vinculação direta e/ou a identificação da conta de origem. Admitir o contrário seria validar uma indevida ingerência da Fiscalização na livre iniciativa e nos atos de gestão administrativa do contribuinte. Diante da velocidade, complexidade e dinamicidade das operações comerciais praticadas rotineiramente, é descabida a ingerência da Fiscalização para indicar onde e qual dinheiro deveria ser aplicado, desde que se comprove que, ao final, de fato foram praticadas exportações.

Por todas essas razões, espera-se que os fundamentos expostos no acórdão nº 9101-007.349 influenciem as futuras decisões sobre o assunto. Além disso, esse julgamento demonstra a necessidade de atuação preventiva por parte das companhias, com a finalidade de evidenciar ao Fisco a adequada utilização dos recursos, evitando, assim, autuações fiscais.

A equipe tributária do William Freire Advogados Associados está à disposição para auxiliar no tema.

Rodrigo Pires                                Sávio Hubaide


[1] Art.9o Os juros e comissões correspondentes à parcela dos créditos de que trata o inciso XI do art. 1o da Lei no 9.481, de 1997, não aplicada no financiamento de exportações, sujeita-se à incidência do imposto de renda na fonte à alíquota de vinte e cinco por cento.”

[2] “Art. 12. (…) § 3º A redução a zero da alíquota do imposto sobre a renda prevista no caput é condicionada a que as importâncias pagas, creditadas, empregadas, entregues ou remetidas, por fonte domiciliada no País, a pessoas jurídicas domiciliadas no exterior, destinem-se, efetivamente, ao financiamento de exportações, conforme dispõe o inciso VII do caput do art. 1º do Decreto nº 6.761, de 2009.”

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